31 agosto, 2009

Cozinha criativa!


Olha que fofas as tortinhas doces no pirulito! Também podemos fazer salgadas! Um luxo! Um mimo! Uma dica genial do blog Rainhas do lar... confira... http://www.rainhasdolar.com/

25 agosto, 2009

A Ascensão das oficinas literárias

CRESCE A PROCURA NO PAÍS POR CURSOS QUE ENSINAM TÉCNICAS NARRATIVAS; NO RIO GRANDE DO SUL, PROGRAMAS TRADICIONAIS JÁ PRODUZIRAM UMA NOVA GERAÇÃO DE ESCRITORES COM "DIPLOMA DE AUTOR"



ERNANE GUIMARÃES NETO (Folha de São Paulo)
DA REDAÇÃO


O Brasil vive a emergência de um movimento literário: o dos escritores com diploma de autor. Centros culturais com lotação esgotada e professores particulares com fila de espera caracterizam a vicejante versão brasileira da disciplina "creative writing" (escrita criativa) das universidades norte-americanas. Os resultados são semelhantes: escritores reconhecidos pela crítica e premiados nos concursos de literatura.

A Casa do Saber é uma das escolas que aderiram recentemente às oficinas de escrita criativa: as aulas começaram neste ano. Segundo o diretor Mario Vitor Santos, a escola abriu uma exceção à regra de não oferecer cursos práticos depois de discutir a proposta da professora Noemi Jaffe.

A Casa das Rosas, em São Paulo, tem suas aulas práticas lotadas. Para o poeta Frederico Barbosa, diretor dessa instituição mantida pelo Estado, a meia dúzia de oficinas acontecendo em agosto e setembro, com 30 vagas cada uma, não esgota a demanda.

Uma das atrações do período é Marcelino Freire, que mantém outra oficina em São Paulo (no espaço Barco) e recebe convites para encontros em todo o país. Marcelino foi aluno de Raimundo Carrero, pioneiro da prática em Pernambuco.

Carrero começou suas oficinas nos anos 80, trazendo para o Brasil sua experiência na Universidade de Iowa. "Até meus romances escrevo com meus alunos", relata. Para profissionais como ele, a oficina ultrapassa o clichê de que o professor aprende com os alunos; todos aprendem praticando juntos.

No Brasil, imagens como um funcionário público Machado de Assis, um diplomata Guimarães Rosa ou um jornalista Nelson Rodrigues estimulam a pensar no escritor como uma figura excepcional surgida ou sustentada em outras classes profissionais. A vivência pessoal dispensou a programação técnica.

O artista temeria o cerceamento de sua criatividade, o choque entre tradição e vanguarda, a profissionalização. Nos EUA, o choque já aconteceu e discute-se quanto a literatura do pós-guerra é marcada pelos programas universitários (leia entrevista abaixo). A classe dos escritores com diploma já domina entre os laureados com o Pulitzer, por exemplo (leia quadro ao lado).


Rasuras
Para o sociólogo Sergio Miceli, os cursos livres aparecem como um sistema paralelo, a partir da crescente quantidade de pessoas com títulos que não estão incluídas no sistema de produção cultural. Os intelectuais "tentam ensinar em cursos de grã-finos semiletrados, que procuram assuntos considerados nobres; o professor se sente valorizado porque ganha um dinheiro que demoraria muito para ganhar de outro jeito. A lógica disso é um pouco esquisita, pois é uma tentativa abreviada de transferir um sistema complicado de conhecimento".

Mas exemplos como o do Prêmio São Paulo de Literatura, concedido no início do mês, apelam em favor da "tecnicização". O prêmio principal ficou com o cearense Ronaldo Correia de Brito, médico -profissão de escritor "à moda antiga".

O autor estreante premiado foi o gaúcho Altair Martins, mestre em letras com experiência em ministrar oficinas.

O escritor mais celebrado no ano passado, Cristovão Tezza, é linguista e autor do livro didático "Oficina de Texto" -"que não é de criação estética", adverte. Tezza não pratica as oficinas de escrita criativa, mas pode ser considerado beneficiado por um treinamento especializado nas letras. "Rejeito a ideia do escritor como "profissionalizável". Mas, pensando friamente, de uns 20 anos para cá a literatura se aproximou bastante da universidade".

Uma das críticas feitas a escritores associados à academia é a de que se distanciam da realidade. Frederico Barbosa questiona a afirmação, mas apresenta outro problema. "Tezza escreveu uma tese sobre Bakhtin, mas sua obra não é distante da realidade. Milton Hatoum é um estudioso, mas sua obra não é acadêmica no sentido de "chata". O problema na academia é que há uma tendência a conflitos serem apaziguados: "Não vou falar mal do sujeito porque ele pode estar depois na minha banca.'"


--------------------------------------------------------------------------------
Nos EUA, a classe dos escritores com diploma já é hegemônica entre os laureados com o Pulitzer
--------------------------------------------------------------------------------



Diploma de autor
O escritor Evandro Affonso Ferreira teve em julho sua primeira experiência como professor de ficção, na Casa das Rosas. "Você não constrói um artista", diz à reportagem, mantendo a aura dos escritores. "O curso é um exercício de leitura, dá caminhos".

O ataque mais comum à oficina a reduz a nada mais do que um trabalho que todo intelectual já deveria fazer em casa: ler. Na pior das hipóteses, é vista como uma sessão de ajuda mútua pautada por elogios superficiais entre os alunos.

Charles Kiefer, que leciona escrita criativa na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, diz que na academia a crítica ao texto alheio é rigorosa. "Não sou pago para ser hipócrita."

A PUC-RS, que mantém oficinas há mais de 20 anos, abriu em 2006 o eixo de escrita criativa na graduação. As turmas tiveram de ser ampliadas para dar conta da demanda. O professor Luiz Antonio de Assis Brasil, que comemora também a criação do mestrado no tema, integra com Kiefer o que pode ser visto como o atual centro nervoso das oficinas de escrita gaúchas, das quais saíram nomes como Cíntia Moscovich, Daniel Galera e Michel Laub.

Kiefer mantém uma das mais procuradas oficinas de escrita do Brasil. "Tenho mais de 1.200 pessoas na lista de espera", diz. E conjectura: "A internet é que está gerando a demanda enorme no Brasil. Todo mundo tem blog, todo mundo escreve, mas uma hora se dá conta de que precisa estudar, avançar".

"A formação do escritor inclui ler muito, conhecer a crítica e, podendo, fazer um curso de escrita", diz Assis Brasil. Para ele, editores consideram esse item na biografia do autor quando apreciam originais.

O músico, editor e autor premiado com o Jabuti de ficção Arthur Nestrovski estudou música e letras em Iowa e não participou das célebres oficinas de escrita daquela universidade, mas declara ter visto uma "convivência rica, produtiva" entre as comunidades de teoria e prática. Ele diz duvidar de que tais diplomas tenham poder de convencimento sobre o mercado brasileiro de publicação.

Veterano das oficinas, o crítico Silviano Santiago afirma que a universidade brasileira não está preparada para diplomas de graduação em escrita. "Que concurso você poderá prestar com um diploma desses?"

No fim da história, todas as personagens se obrigam a concordar que escola não faz gênio, mas pode desenvolver pessoas interessadas. Cabe ao aluno escolher o professor.



O modelo americano
PESQUISADOR DESCREVE A HISTÓRIA DAS OFICINAS DE ESCRITA NAS UNIVERSIDADES DOS EUA, QUE NÃO PARAM DE CRESCER, E DEFENDE QUE, MAIS DO QUE "FORMATAR" OS ALUNOS, OS CURSOS DÃO A ELES UM LUGAR NA SOCIEDADE

DA REDAÇÃO

A ulas práticas de literatura já viraram história nos EUA.
Em "The Program Era" (A Era dos Programas, Harvard University Press, 466 págs., US$ 35, R$ 64), Mark McGurl argumenta que não dá para compreender a literatura norte-americana do pós-guerra sem conhecer os programas universitários de escrita criativa.
Compreender essa história ajuda a identificar uma raiz de boa parte da nova literatura brasileira. A Universidade de Iowa pode ser tomada como um exemplo central. Passaram por oficinas em Iowa profissionais da escrita como Raimundo Carrero, Charles Kiefer e Affonso Romano de Sant'Anna.
Este fez nos anos 70, com Silviano Santiago, algumas das primeiras experiências do gênero em uma universidade brasileira (a PUC-RJ). Sant'Anna explica como funcionavam as coisas nos EUA.
"Havia dois conjuntos de participantes: os americanos faziam o curso de criação literária como um curso normal de graduação e pós. Tinham aula de conto, poesia, epopeia, roteiros etc. Tinham que apresentar trabalhos rotineiramente. Na parte internacional, éramos mais livres; durante nove meses, tínhamos tempo para terminar projetos que trazíamos e apenas deveríamos participar de seminários expondo nossos trabalhos."
Professor de letras na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, Mark McGurl esmiuça as diferentes formas como escritores viram a relação com a universidade.
Da resignação pela necessidade de sobreviver -caso de Nabokov, que lecionava literatura em Cornell enquanto escrevia "Lolita"- às experimentações -como a ficção de hipertexto na Universidade Brown-, McGurl argumenta que o fato de vivermos uma "Era dos Programas" não é uma coisa ruim, afinal. (EGN)






FOLHA - A ascensão da escrita criativa é devida mais a uma disposição social ou a razões de mercado?
MARK MCGURL - É difícil separar as duas coisas. A natureza do sistema de ensino superior nos EUA o faz muito sensível à pressão do mercado. Há um sistema universitário em que é muito fácil inovar e muitos alunos que querem estudar escrita criativa.

FOLHA - O destino da escrita criativa é se tornar tão difundida quanto as matérias de história da literatura?
MCGURL - Hoje a história da literatura é muito maior que a escrita criativa, mas as turmas de literatura tradicionais não estão crescendo. Departamentos comuns de literatura ou teoria literária têm ficado estáveis ou mesmo levemente diminuídos nas últimas décadas, enquanto os programas de escrita criativa estão crescendo a taxas extraordinárias. Alguns dizem que há um limite no mercado. Outros perguntam se as oficinas, a partir deste momento de recessão e reorganização da economia, serão uma prioridade no futuro.

FOLHA - Quantos cursos existem nas universidades dos EUA?
MCGURL - Cerca de 750 cursos de graduação, de aproximadamente 2.000 faculdades. Cerca de 350 cursos de pós-graduação. É claro que o mercado editorial não pode absorver tantos escritores, há um enorme excesso de oferta.

FOLHA - Que fará toda essa gente?
MCGURL - Alguns se tornarão grandes escritores. Vão escrever poesia e prosa e ensinar poesia e prosa. Outros se tornarão escritores menos conhecidos ou professores de escrita. Para o resto, é um treinamento sem uso profissional, é uma extensão da "educação liberal".

FOLHA - Os velhos exemplos do escritor como jornalista viajado, sábio isolado ou servidor público com tempo livre... estão datados?
MCGURL - É claro que há espaço para esses tipos de escritor. Se observar a história da literatura, especialmente nos EUA, o jornalismo tem sido a instituição-chave, com inúmeros escritores que participam do jornalismo de uma forma ou de outra. Essa opção ainda existe, mas a opção de ensinar a escrita junto com a prática da poesia ou da prosa está crescendo. Surge como uma carreira de escritor: "escrever enquanto ensina". Sempre haverá o forasteiro vindo sabe-se lá donde, mas a universidade cresceu a ponto de recentemente se tornar o centro da produção.

FOLHA - Quão norte-americana é essa tradição?
MCGURL - O primeiro programa de pós-graduação começou nos anos 1930, a multiplicação começou nos anos 60 -por décadas, foi algo exclusivamente americano. Isso se dá em parte por conta do sistema educacional do país, mas também podemos amarrá-lo a uma tradição da expressão individual: não importa onde nasça, você pode ser o que quiser, inclusive um artista.

FOLHA - Que autores consagrados são os exemplos mais extremos de entusiasmo e descrença em relação aos programas de oficinas de texto?
MCGURL - É mais fácil começar pela visão negativa. De Algren [autor de "O Homem do Braço de Ouro"], nos anos 60, e Kay Boyle [1902-92], nos 40 e 50, a, mais recentemente, Tom Wolfe, de "A Fogueira das Vaidades", e o contemporâneo Jonathan Franzen [de "As Correções"], todos mostraram extremo ceticismo, por vários motivos diferentes. Muitos apontam que os escritores ficaram "institucionalizados", no sentido de que não têm originalidade, copiam as ideias dos colegas de classe. Em um nível é inegável que a universidade tenha ajudado muitos grandes escritores a existir, pois deu a eles uma chance de escrever. Deu-lhes uma forma de ganhar a vida enquanto escreviam. Os defensores da escrita criativa seriam aqueles que frequentaram ou ensinaram escrita criativa. Não encontramos muitos que se levantassem para dizer "isso é ótimo". Há vergonha relacionada à ideia.

FOLHA - O sr. não menciona nenhum nome?
MCGURL - Que eu saiba essa pessoa não existe. Há os que defendem a escrita criativa em reação aos ataques, dizendo "não, não destrói a originalidade". Mas tal defesa não é necessária porque muita gente quer fazer oficinas.

FOLHA - O exercício prático da oficina é sua única vantagem em relação a outras disciplinas?
MCGURL - Por um lado, o jovem escritor ganha conhecimento. Ao sentar-se com colegas que leem seu texto, ele ainda obtém uma forma pequena de publicação, vê como as coisas funcionam. Se estiver em um programa famoso, como o da Universidade de Iowa ou o da Universidade Columbia, podem-se estabelecer contatos. Além disso, muitos pais de garotos de classe média não querem que eles fiquem tentando ser escritores, acham que deveriam tentar ganhar a vida de forma mais rentável. Para esses jovens, o curso é um abrigo: "Estou na faculdade!" É interessante ver que, por temor, há uma tendência a manter esses cursos dentro do departamento de inglês. Assim temos escritores lado a lado com pesquisadores. Por outro lado, há o medo do pessoal de escrita criativa de que a teoria possa arruinar a musa.

--------------------------------------------------------------------------------
Sempre haverá forasteiros, mas a universidade cresceu a ponto de se tornar o centro da produção
--------------------------------------------------------------------------------



FOLHA - Por que há resistência ao papel do aprendiz na literatura, mas não nas artes plásticas ou no teatro?
MCGURL - Uma das maiores defesas da escrita criativa é esta: em que ela é diferente de aprender pinceladas? Tem a ver com a mitologia específica do escritor. E com uma tradição de esquecer a história da literatura -pois grupos sempre foram importantes para os escritores, aprender também. Dizem que se pode aprender a escrever em casa, sem ir à escola, que "o aprendizado deveria ser ler; depois comece a escrever". Em parte o que os alunos de escrita criativa fazem é isso: ler e escrever. Mas a formalização incomoda.

FOLHA - Quanto a literatura de hoje é "programada"?
MCGURL - É programada, mas é preciso pensar na ideia de "criatividade programática". Precisamos superar noções românticas de criatividade -de que é inexplicável, de que vem de um lugar estranho para um escritor solitário. Instituições podem gerar programas que tenham criatividade autêntica.

FOLHA - A oficina apresenta uma receita para a respeitabilidade?
MCGURL - Sim. Vivo em Los Angeles, onde há milhares de roteiristas. É difícil dizer "sou um roteirista". Vão perguntar que filmes você escreveu. Isso vale para o escritor. O curso permite ao sujeito dizer "tenho um diploma, portanto sou escritor".

FOLHA - Os escritores formados em oficinas logo dominarão a literatura de internet?
MCGURL - É tentador pensar que a internet democratiza a literatura, que ter um diploma, ter contatos não sejam mais importantes. Mas o problema da internet é: quem vai prestar atenção ao que aparece, com tal volume de informações? Ainda haverá quem nos conduza a alguns sites e não a outros. Um "romance Twitter" de Thomas Pynchon eu leria -só não sei se seria bom.


Relato de um escritor aprendiz
DANIEL GALERA DESCREVE SUA PARTICIPAÇÃO NO CURSO DE TÉCNICAS DE LEITURA E ESCRITA QUE, DE FORMA "SURPREENDENTE E INEVITÁVEL", FEZ DELE UM AUTOR

DANIEL GALERA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Surpreendente, mas inevitável. Quando, em algum momento de 1999, o professor Assis Brasil [que coordena oficinas de texto na PUC-RS] colocou nesses termos para seus alunos o desfecho ideal de todo conto, eu sabia exatamente do que ele estava falando. Sabia porque, aos 20 anos, já tinha lido centenas de contos. Mas eu sabia sem saber.
Tinha a experiência, mas não a consciência da experiência.
Sabe lá quanto tempo eu levaria para chegar sozinho a uma fórmula tão elegante para definir o instante em que o subtexto, tão essencial ao conto moderno, vem à tona. Talvez nunca chegasse. Foi esse tipo de coisa que a oficina de literatura do Assis me deu de bandeja.
Quando entrei na oficina, eu já escrevia contos e os divulgava na internet, mas me considerava um diletante. Era um sujeito que só começava a suspeitar que a literatura talvez não fosse um interesse passageiro como outrora foram o violão, as histórias em quadrinhos, o web design.
Eu cursava publicidade e propaganda sem convicção nenhuma, e o futuro me parecia um shopping center onde teria de passar a tarde a contragosto num domingo de chuva. Mas eu lia muito desde piá, e aquela coisa de escrever ficção estava ficando séria. Por isso me inscrevi na oficina.
Recuemos um pouco. Um dos contos que mais marcou minha, cof, juventude, foi "O Beijo", de Anton Tchekhov. O enredo é simples. Um batalhão de soldados russos acampa num vilarejo e é convidado por um aristocrata local, o general Von Rabbek, para um chá festivo. Um militar particularmente tímido e apagado, de nome Riabovitch, perde-se nos corredores escuros da mansão e é beijado por uma mulher desconhecida que estava à espera de um outro qualquer.
O incidente afeta o ingênuo protagonista de maneira duradoura. Ele passa as semanas seguintes em deslumbramento, fantasiando sobre a identidade e a aparência da mulher. O sentimento de alegria persiste.
Marchando à noite, ele tem a impressão de que a luz distante de uma janela ou fogueira está piscando secretamente para ele, como se soubesse do beijo.
Tempos depois, o batalhão acampa de novo no vilarejo.
Riabovitch torce para que o general os convide para outro chá, na esperança de rever a mulher. Mas a essa altura ele já começa a reconhecer a insignificância do episódio do beijo, constatando o abismo entre o fervor de sua imaginação e a indiferença do mundo ao redor. E então o mensageiro do general de fato vem e novo convite é feito ao batalhão. Riabovitch, amargurado, decide não ir e se mete na cama.
Esse conto sempre me causou profunda impressão, e fiquei muito tempo sem entender o motivo. Há elementos óbvios com os quais todo ser humano se identificaria. "Todo esse sonho que agora me parece tão impossível e excepcional é na verdade bastante ordinário", conclui Riabovitch ao escutar as conversas vulgares de seus companheiros sobre encontros com mulheres.

Subtexto
Quem não passou longos períodos entregue a fantasias, amorosas ou não, apenas para "cair na realidade" de uma hora para outra? Quem não conhece a frustração ou a melancolia que disso resulta? Mas o conto é muito mais do que isso. Do que, então, ele realmente trata?
Numa das várias aulas em que abordou o subtexto literário, Assis Brasil nos deu como exemplo uma famosa anotação para um conto encontrada num caderno de Tchekhov:
"Um homem vai ao cassino de Monte Carlo e ganha uma fortuna na roleta. Volta para o hotel e se suicida". Essa é a história aparente do conto, e supõe-se que o elemento crucial, o motivo de o homem matar-se nessa estranha circunstância, seria infiltrado no enredo como história oculta, ou subtexto. Cabe ao leitor captar o subtexto. Cabe ao escritor dar-lhe pistas na dose exata para que a descoberta exija esforço e seja recompensadora na mesma medida. O suicídio deve ser surpreendente. Mas também deve ser inevitável. Como a atitude de Riabovitch no final de "O Beijo".
Por trás de todo conto há uma parábola, ou seja, a projeção de uma história em outra história. O conto aponta para outra narrativa que o extrapola, e que se encontra em grande parte na experiência de vida do leitor. Construir essa ponte faz parte da nossa natureza.
Narramos sem parar, seja na comunicação com os outros ou no domínio da introspecção. É o que fazemos ao procurar o "sentido" de "O Beijo", e é o que faz Riabovitch ao combinar detalhes de todas as moças presentes na mansão para criar sua musa particular e transformar o beijo acidental numa elaborada fantasia.
Eis o "nocaute" do conto: o autor cria condições para que uma potente parábola seja escrita com a participação do leitor, mas entrega a chave só no final. O desfecho é o começo.
Depois das conversas sobre subtexto na oficina, reli "O Beijo" e finalmente percebi como esse mecanismo entrava em ação. Por mais tocante e lindamente narrada que seja toda a história aparente de Riabovitch, e por mais que em seu desfecho ele sufoque a alegria momentânea, abdique da possibilidade de rever a mulher e se meta na cama, resignado, sentindo raiva de seu destino, a verdade é que ele toma a decisão correta. E o faz porque seu exaustivo exercício de fantasia o transformou numa pessoa melhor.
Tchekhov tenta esconder isso ao máximo, e chega a apelar, numa das últimas frases, quando põe seu personagem a observar a água do rio que passa pelo vilarejo: "Em maio ela tinha corrido para o grande rio, e do grande rio para o mar; então subiu em forma de vapor, virou chuva, e talvez a mesma água estivesse correndo agora de novo diante dos olhos de Riabovitch... Para quê? Por quê?".


--------------------------------------------------------------------------------
A oficina nos exigia um conto por semana. Narrar uma saga familiar em cinco linhas. Um episódio de dez segundos em dez páginas
--------------------------------------------------------------------------------



Releitura
E eu respondo, projetando a história que Tchekhov me deu numa outra que ele me convida a criar, com base no pouco que já sei do mundo: para que Riabovitch perceba que nesse retorno a água pode ser a mesma, mas ele próprio não. Ele mudou para sempre. Para que vá se deitar um pouco mais próximo de si mesmo, sem gastar suas energias inutilmente na tentativa de ser sociável e mulherengo como seus companheiros de batalhão, pois ele sabe faz tempo que é diferente de todos eles e já concluiu que um dia, cedo ou tarde, uma mulher passará por sua vida. Para que seja capaz de abrir mão. Podemos nos surpreender com sua decisão, mas ela é inevitável.
Não creio que uma oficina literária possa forjar um talento. Mas esse é um exemplo de como ela pode, sim, aprofundar e instrumentalizar a relação de um possível autor com as narrativas que lê e escreve.
Uma lição da oficina me levou a uma releitura definitiva (para mim, é claro) de um dos contos que haviam marcado minha adolescência. Encontrei palavras e conceitos adequados para explicar aspectos da ficção que minha experiência como leitor me levava a intuir, e isso foi um ponto de partida para pensar a literatura com um pouco mais de ambição.
Nunca escrevi tanto quanto naquele ano. A oficina nos exigia em média um conto por semana. Narrar uma saga familiar de cinco séculos em cinco linhas. Narrar um episódio de dez segundos em dez páginas.
Contar uma história apenas com descrições do cenário. Os textos eram analisados pelo professor e exaustivamente debatidos pelos alunos, que acumulavam cada vez mais ferramentas para a tarefa. Clichês, técnicas de diálogo, modalidades de narradores.
Ao longo de 1999, eu decidi que escrever seria minha prioridade. Passei 20 anos me distraindo disso, mas de repente, como no final de um bom conto, o subtexto veio à tona. Até então, sinceramente, eu não planejava nada disso. Surpreendente, mas inevitável.



--------------------------------------------------------------------------------
DANIEL GALERA , escritor e tradutor, é autor de "Cordilheira" (Cia. das Letras).


O que fazer com um texto?
TRÊS PROFESSORES DE OFICINAS LITERÁRIAS CHAMAM A ATENÇÃO PARA REGRAS BÁSICAS DE LEITURA E ESCRITA

"Use em abundância o ponto final"

LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL
ESPECIAL PARA A FOLHA

PARA LER

1. Ignorar os best-sellers, por maior que seja a tentação. Deixe passar cinco anos.
Se o livro ainda respirar bem, pode investir.

2. Ler com desconfiança o que lê. Se o livro resistir a essa leitura, é porque é bom.

3. Ler com um lápis na mão. E usá-lo.

4. Conhecer pessoalmente o escritor só depois de ler o livro; caso contrário, a figura do escritor ficará colada ao texto, como um fantasma.

5. Ler edições que tenham bom gosto. Uma edição amadora piora dramaticamente o livro.

PARA ESCREVER
1. Dedicar mais tempo à leitura do que à escrita.

2. Usar em abundância o ponto final, especialmente quando a frase resiste a qualquer conserto.

3. Usar material de primeira qualidade: bom computador, bom papel de impressão, bons cadernos (sugiro o Moleskine), boas canetas, bons lápis.

4. Não levar o laptop para a cozinha ou para a sala de visitas. Se não tiver um gabinete exclusivo, o quarto é uma boa escolha.

5. Escrever apenas sobre o que conhece perfeitamente, mesmo que seja um romance passado no futuro.



--------------------------------------------------------------------------------
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL é professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e autor de "Ensaios Íntimos e Imperfeitos" (L&PM), entre outros livros.

"Desconfie das dicas que lhe dão"
MARCELINO FREIRE
ESPECIAL PARA A FOLHA

PARA LER

1. Quanto mais um livro fizer mal, melhor.

2. Confortável precisa ser a cama, não a literatura.

3. Evitar lista dos mais vendidos.

4. Livro não é para ser entendido, é para ser sentido.

5. Desconfiar das dicas que te dão.

PARA ESCREVER

1. Cortar palavras.
2. Não usar gravata na hora de escrever.

3. Ouvir, mesmo que baixinho, a própria voz.

4. Desconfiar daquele texto que sua mãe gostou.

5. Ler e beber muito. E, no mais: viver.



--------------------------------------------------------------------------------
MARCELINO FREIRE é autor, entre outros livros, de "Contos Negreiros" (ed. Record) e organizador de "Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século" (Ateliê).

"Leia como se fosse o psicanalista que ouve um paciente"
LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA

PARA LER

1. Se você estiver diante de um um clássico provado pelos tempos -Shakespeare, Voltaire, Machado de Assis- e acontecer alguma dificuldade na leitura, pode ter certeza de que o problema é seu, não do texto. Bons textos muitas vezes exigem mais de uma tentativa de leitura.

2. No concreto de uma leitura, pode acontecer que a fruição fique embaçada. Antes de entrar em pânico, tente localizar o foco do impasse: se for uma palavra específica que seja desconhecida, para isso existe o dicionário; se não, volte a atenção para os "que", para os nexos entre as partes da frase.

3. Um texto literário, obra de arte que é (ou aspira a ser), tem direito de ser como é, em sua integridade. Isso alerta para a necessidade de a leitura ser respeitosa: o leitor deve dispor-se a receber as informações e as formas do texto tal como o autor as concebeu. Mas isso não impede que o leitor comum pule fora ao perceber que seu honesto empenho de leitura não está sendo recompensado.

4. Um texto literário merece ser lido em pelo menos duas dimensões, uma linear e a outra enviesada. A segunda é menos perceptível, mas muitas vezes é decisiva, e tem sua carnadura num plano alusivo, nas chamadas entrelinhas, num patamar figurado ou alegórico. A boa leitura não pode contentar-se com a decifração daquela primeira dimensão, necessitando uma atenção mais difusa, próxima da atenção que os psicanalistas praticam ao ouvir o paciente.

5. Em narrativas, um detalhe radicalmente importante, em especial nos romances e contos escritos a partir do final do século 19 (no Brasil, o marco é Machado de Assis, mas você pode pensar em Dostoiévski, em Poe, em Flaubert), é o jeito de ser do narrador. O bom leitor sempre mantém em vista que o narrador pode ser parte interessada no enredo, pode ser parcial na avaliação dos fatos e das pessoas que menciona, pode saber mais ou menos do que aparenta.

PARA ESCREVER

1. Tenha sempre em conta que do outro lado de seu texto há, na melhor hipótese, um leitor; e que essa figura, preciosa e fugidia, pode abandonar o barco a qualquer momento. O autor tem todo o direito de radicalizar sua escrita, ser inventivo e ousado, mas também o leitor tem o direito de radicalizar por sua parte, caindo fora.

2. Uma das escolhas básicas para quem escreve um relato diz respeito à distância que o texto vai colocar entre a voz narrativa e o(s) personagem(ns), entre as palavras que o leitor vai ler e a vida íntima do personagem, dentro do enredo. Mesmo um narrador de terceira pessoa pode ser muito próximo dos fatos e das pessoas envolvidas, pode acompanhar as ações muito de perto, assim como um narrador de primeira pessoa pode manter uma distância relativamente serena a respeito dos fatos.

3. Embora no sentido trivial o leitor é quem escolhe o texto que vai ler, num sentido muito profundo é o texto que escolhe seu leitor: suas escolhas vão delimitando o universo potencial dos leitores, que serão mais ou menos sofisticados ou numerosos conforme as opções do autor. Confrontar ou agradar o leitor, eis uma questão que é bom ter em mente, para fazer a escolha que interessa (nisso os grandes revolucionários têm muito a ensinar; veja como Miguel de Cervantes, Honoré de Balzac, Machado de Assis e outros tratam o leitor).

4. Escrever é, em grande medida, administrar entre conhecido e desconhecido, redundância e informação. Um dos riscos sempre implicados nesse campo é o de depender do "background" do leitor, das informações que ele traz (ou não) consigo. Muitas vezes um relato sucumbe porque espera que o leitor aporte conteúdos para compor o sentido de alusões, entreditos, sugestões que o enredo contém.

5. Quem inventa uma ficção está mentindo e espera que o leitor aceite a mentira. Mas sobre essa base há uma outra camada de indispensável verdade: o escritor nunca deve trapacear, nunca fazer pose ou jogar para a torcida. Se começar a contar uma história, tem que assumir o compromisso de contar tudo que importa para que ela aconteça.



--------------------------------------------------------------------------------
LUÍS AUGUSTO FISCHER é crítico literário, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de "Machado e Borges" (ed. Arquipélago), entre outros.


Obras didáticas
A Preparação do Escritor
Raimundo Carrero, autor de "O Amor Não Tem Bons Sentimentos" (ed. Iluminuras), divide o texto em 11 "aulas" sobre temas como "a invenção do personagem" ou "como são feitos os diálogos". Inclui sugestão de exercício ao final dos capítulos. Lançamento da ed. Iluminuras.

Para Ler Como um Escritor
Francine Prose é autora de "A Vida das Musas" (Nova Fronteira) e romancista. O título entrega o segredo dos demais professores de escrita: ler atentamente os clássicos. Ela analisa autores como Jane Austen e Vladimir Nabokov. Ed. Zahar.

Oficina de Escritores
Autor de "O Ponto de Ruptura" (ed. Difel), Stephen Koch foi professor de escrita criativa em Columbia e Princeton. Com frases de autores consagrados sobre o ato de escrever, o livro dá dicas como "o que faz a legibilidade não é a clareza, mas a atitude". Ed. Martins Fontes.

15 agosto, 2009

Diretamente do twitter...

RT @rosana Nós não conseguimos tirar grandes corruptos do poder porque aceitamos pequenos corruptos a nossa volta. E ainda aplaudimos alguns deles.

14 agosto, 2009

Sobre a Escrita

Para mim, a tecnologia básica é a palavra, quero dizer, não é a tecnologia, é um fruto da tecnologia. A chave da tecnologia é o bit – tecnologia significa escrever sobre um corpo de conhecimentos. A palavra é a tecnologia-mãe, todas as tecnologias se baseiam na palavra, a palavra é a tecnologia primitiva. Lidar com a linguagem... Ser um escritor é lidar com a linguagem. Se forem histórias em quadrinho, então haverá um elemento pictórico, mas boa parte das coisas básicas é igual. Se você quer aprender a escrever, seja analítico, e isso provavelmente significará, quando você estiver começando, “seja reducionista”. É uma problema demasiado grande querer pegar tudo de uma só vez, pelo menos no início. Destrinche. Comece pensando sobre os diferentes componentes da história.

Que coisas a história deve ter? Deve ter um enredo, embora isso não seja a coisa mais importante. O enredo é o esqueleto. Algumas vezes um enredo bonito e elegante dá uma história, ótimo, mas às vezes o enredo precisa ser apenas um encadeamento de acontecimentos que te leva de A a B ou a D ou sei lá.

Agora, do que a história trata (o que não é o mesmo que o enredo)? Do que a história trata, o que você tem a dizer? Que tipo de forma ou impressão você espera deixar no leitor? Num certo sentido, a história, o poema ou o verso ou qualquer outra coisa que você esteja escrevendo pode ser pensado como um projétil. Imagine que seja um tipo de projétil que foi elaborado especialmente para ser aerodinâmico e que o alvo é a matéria cinzenta macia, o cérebro do leitor. Que tipo de forma, de corte, que tipo de cicatriz duradoura você quer deixar no leitor? Você projeta o míssil com base nessas considerações. O que você quer transmitir? Será algum tipo de informação, que pode ser factual, emocional, psicológica... Pode ser não-linear, pode ser mais ruído do que informação... como James Joyce, porque na verdade é o ruído que contém mais informação.

Um sinal puro é como Janet e John – sim, você pode entender tudo que está na página, mas não há muito que entender lá. Ruído – ou algo que se aproxime do ruído – é como uma página de James Joyce, de Ian Sinclair – onde há tal densidade de informação que ela quase se torna incoerente, mas está cheio de informação. Então, são as maneiras de transmitir informação – enredo, a história tem que tratar de alguma coisa, tem que ter uma finalidade, uma forma. Tem que ter uma estrutura. Se você for realmente inteligente, você pode fazer a estrutura, o enredo e o tema refletirem uns nos outros de alguma maneira, mas isso é somente ser espertinho. (...)

A escrita consumirá sua vida, porque muito da escrita acontece na sua cabeça – você não precisa estar trabalhando, não precisa estar acordado. Você não vai conseguir se livrar da escrita quando estiver com a cabeça sobre o travesseiro, quando estiver de férias em Yarmouth ou na lua, não há escapatória, tudo está dentro de sua cabeça. E se a coisa estiver andando bem, será provavelmente algo obsessivo. Se você tiver uma história fervendo, se for um escritor, provavelmente pensará sobre problemas dessa história, coisas boas que quer salientar, melhorar ou aumentar. Provavelmente pensará sobre essas coisas o tempo todo, talvez quando estiver trepando, jantando, no ônibus... É uma coisa que tomará conta de sua vida. Renda-se. Renda-se à escrita desde a primeira palavra. Não lute. É maior e mais importante do que você; faça o que ela mandar, mesmo se aparentemente estiver arruinando a sua vida, obedeça. Mesmo se te mandar fazer algo estúpido – se te mandar pular no precipício, pule.





Alan Moore

Escrever





Escrever, eu meditava, deve ser um ato destituído de vontade. A palavra, como a profunda corrente oceânica, tem que flutuar na superfície de seu próprio impulso. Uma criança não tem nenhuma necessidade de escrever, é inocente. Um homem escreve para destilar o veneno que acumulou devido à sua maneira falsa de vida. Está tentando recapturar sua inocência e no entanto tudo o que consegue fazer (escrevendo) é inocular no mundo o vírus de sua desilusão. Homem nenhum colocaria uma palavra no papel se tivesse a coragem de viver aquilo em que acredita. Sua inspiração é desviada na fonte. Se é um mundo de verdade, beleza e mágica que deseja criar, por que põe milhões de palavras entre si e a realidade daquele mundo? Por que retarda a ação - a não ser que, como outros homens, o que realmente deseje seja o poder, a fama, o sucesso? "Os livros são ações humanas na morte", disse Balzac. No entanto, tendo percebido a verdade, ele deliberadamente entregou o anjo ao demônio que o possuiu.

Um escritor corteja o seu público tão ignominiosamente como um político ou qualquer outro saltimbanco; adora manipular emoções, receitar como um médico, conquistar um lugar para si mesmo, ser reconhecido como uma força, receber a taça cheia de adulação, mesmo que isso demore mil anos. Ele não quer um novo mundo que possa ser estabelecido imediatamente, porque sabe que jamais seria adequado para ele. Quer um mundo impossível em que seja um soberano fantoche sem coroa dominado por forças totalmente fora do seu controle. Contenta-se em dominar insidiosamente - no mundo fictício dos símbolos - porque a simples idéia de contato com realidades rudes e brutais o assusta. Certo, tem um domínio da realidade maior do que outros homens, mas não faz nenhum esforço para impor ao mundo aquela realidade superior pela força do exemplo. Satisfaz-se apenas em pregar, em arrastar-se na esteira de desastres e catástrofes, um profeta crocitante da morte sempre sem honra, sempre apedrejado, sempre evitado por aqueles que, por mais inadequados que sejam para suas tarefas, estão prontos e dispostos a assumir responsabilidades pelos negócios do mundo. O escritor verdadeiramente grande não quer escrever: quer que o mundo seja um lugar em que possa viver a vida da imaginação. A primeira palavra trepidante que põe no papel é a palavra do anjo ferido: dor. O processo de colocar palavras no papel equivale a tomar um narcótico. Observando o crescimento de um livro sob suas mãos, o autor incha-se com ilusões de grandeza. - Eu também sou um conquistador... talvez o maior dos conquistadores! O meu dia está chegando. Escravizarei o mundo... pela mágica das palavras... - Et coetera ad nauseam.

A pequena frase - "Por que não tenta escrever?" - envolvia-me como fizera desde o início, num atoleiro de irremediável confusão. Eu queria encantar, mas não escravizar; queria uma vida mais ampla, mais rica, mas não à custa dos outros; eu queria libertar a imaginação de todos os homens imediatamente, porque sem o apoio do mundo inteiro, sem um mundo imaginativamente unificado, a liberdade da imaginação se torna um vício. Eu não tinha respeito por escrever per se, assim como não o tinha por Deus per se. Ninguém, nenhum princípio, nenhuma idéia tem validez por si mesma. O que é válido é somente aquele tanto - de tudo, Deus incluído - que é realizado por todos os homens em comum. As pessoas sempre se preocupam com o destino do gênio. Eu nunca me preocupei pelo gênio: o gênio toma conta do gênio num homem. Minha preocupação se voltou para o joão-ninguém, para o homem que se perde na confusão, o homem que é tão comum, tão ordinário, que sua presença nem chega a ser notada. Um gênio não inspira outro. Todos os gênios são sanguessugas, por assim dizer. Nutrem-se da mesma fonte - o sangue da vida. A coisa mais importante para um gênio é se fazer inútil, ser absorvido pelo fluxo comum, tornar-se um peixe novo e não uma aberração da natureza. O único benefício, refleti, que o ato de escrever podia me oferecer era eliminar as diferenças que me separavam do próximo. Definitivamente não queria me tornar o artista, no sentido de me tornar algo estranho, algo à parte e fora da corrente da vida.

A melhor coisa que há em escrever não é o labor em si de colocar palavra contra palavra, tijolo sobre tijolo, mas as preliminares, o duro trabalho inicial, que se faz em silêncio, debaixo de quaisquer circunstâncias, em sonho assim como acordado. Em suma, o período de gestação. Homem nenhum jamais consegue escrever o que tencionava dizer: a criação original, que está acontecendo o tempo todo, quer a gente escreva ou não escreva, pertence ao fluxo primário: não tem dimensões, forma ou elemento de tempo. Nesse estado preliminar, que é a criação e não o nascimento, o que desaparece não sofre destruição; algo que já estava ali, algo imperecível como a memória, ou a matéria, ou Deus, é convocado, e a esse algo nos atiramos como um galho numa torrente. Palavras, sentenças, idéias, não importa quão sutis ou engenhosas, os vôos mais loucos da poesia, os sonhos mais profundos, as visões mais alucinantes, nada mais são do que hieróglifos toscos cinzelados em dor e tristeza para comemorar um evento que é intransmissível. Num mundo inteligentemente ordenado não haveria necessidade de fazer a tentativa irracional de registrar tais acontecimentos miraculosos. Na verdade, isso não teria sentido, pois se os homens apenas parassem para refletir, quem se contentaria com a falsificação quando o autêntico está à disposição e ao alcance de todos? Que homem desejaria ligar o rádio e ouvir Beethoven, por exemplo, quando poderia ele mesmo experimentar as harmonias arrebatadoras que Beethoven lutou tão desesperadamente para registrar? Uma grande obra de arte, quando chega a realizar alguma coisa, serve para nos lembrar ou, digamos melhor, para nos pôr a sonhar com tudo aquilo que é fluido e intangível. Vale dizer, o universo. Não pode ser entendida: só pode ser aceita ou rejeitada. Caso aceita, ficamos revitalizados; se for rejeitada, isso nos diminuirá. O que quer que pretenda ser, não o será: é sempre algo mais, a respeito do que nunca se dirá a última palavra. Ela é tudo o que nela colocamos devido à fome daquilo que nos negamos cada dia de nossas vidas. Se nos aceitássemos tão completamente assim, a obra de arte, na verdade o mundo todo da arte, morreria de subnutrição. Todo mortal como nós se movimenta sem os pés pelo menos algumas horas por dia, quando os olhos se fecham e o corpo fica de bruços. A arte de sonhar completamente desperto estará à alçada de todo homem um dia. Muito antes disso os livros terão deixado de existir, pois, quando os homens estiverem inteiramente acordados e sonhando, seus poderes de comunicação (uns com os outros e com o espírito que anima todos os homens) serão tão realçados que farão o ato de escrever parecer-se com os grunhidos ásperos e roucos de um idiota.

Henry Miller

Do ler e escrever

De tudo o que se escreve, aprecio somente o que alguém escreve com o seu próprio sangue. Escreve com sangue; e aprenderás que o sangue é espírito.

Não é fácil compreender o sangue alheio; odeio todos os que lêem por desfastio.

Aquele que conhece o leitor nada mais faz pelo leitor. Mais um século de leitores ─ e até o espírito estará fedendo.

Que toda a gente tenha o direito de aprender a ler, estraga, a longo prazo, não somente o escrever, senão, também o pensar.

Outrora, o espírito era Deus, depois, tornou-se homem e, agora, ainda acaba tornando-se plebe.

Aquele que escreve em sangue e máximas não quer ser lido, mas aprendido de cor.

Na montanha, o caminho mais curto e de cume a cume; para isso, porém, precisa-se de pernas compridas. Máximas, cumpre que sejam cumes, e aqueles que aos quais são ditas devem ser altos e fortes.

O ar rarefeito e puro, a vizinhança do perigo e o espírito imbuído de uma alegre malvadez: coisas que combinam bem uma com a outra.

Quero ter duendes ao meu redor, porque sou corajoso. A coragem que afugenta os fantasmas cria os seus próprios duendes: a coragem quer rir.

Eu não sinto do mesmo modo que vós: essa nuvem que vejo debaixo de mim, essa coisa negra e pesada ─ é, justamente, a vossa nuvem de temporal.

Vós olhais para cima, quando aspirais a elevar-vos. E eu olho para baixo, porque já me elevei.

Aquele que sobe ao monte mais alto, esse ri-se de todas as tragédias, falsas ou verdadeiras.

Corajosos, despreocupados, escarninhos, violentos ─ assim nos quer a sabedoria: ala é mulher e ama somente quem é guerreiro.

Dizeis: “A vida é dura de suportar”.Mas para que teríeis, de manhã, a vossa altivez e, de noite, a vossa submissão?

A vida é dura de suportar; mas, por favor, não vos façais de tão delicados! Não passamos, todos juntos, de umas lindas bestas de carga.

Que temos em comum com o botão de rosa, que estremece ao sentir sobre o corpo uma gota de orvalho?

É verdade: amamos a vida, porque estamos acostumados não a vida, mas a amar.

Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre, também, alguma razão na loucura.

E também a mim, que sou bondoso com a vida, parece-me que as borboletas e as bolhas de sabão e o que mais do gênero há entre os homens, são as que melhor conhecem a felicidade.

Ver voejar essas alminhas loucas, leves e graciosas induz Zaratustra a chorar e a cantar.

Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar.

E, quando vi o meu Diabo, achei-o sério, metódico, profundo, solene: era o espírito de gravidade ─ a causa pela qual todas as coisas caem.

Não é com a ira que se mata, mas com o riso. Eia, pois, vamos matar os espírito de gravidade!

Aprendi a caminhar; desde então, gosto de correr. Aprendi a voar; desde então, não preciso de que me empurrem, para sair do lugar.

Agora, estou leve; agora, vôo; agora, vejo-me debaixo de mim mesmo; agora, um deus dança dentro de mim.

F. W. Nietzsche

13 agosto, 2009

MOTIVOS DE DEVOLUÇÃO DE CHEQUES ALÍNEAS E SEUS SIGNIFICADOS

12 Cheque sem fundo (2ª apresentação)
13 Conta encerrada

Impedimento de pagamento

20 Folha de cheque cancelada por solicitação do correntista
21 Contra ordem (ou revogação) ou oposição (ou sustação) do pagamento pelo emitente
22 Divergência ou insuficiência de assinatura
23 Cheques emitidos por entidades e órgãos de administração pública federal direta e indireta, em desacordo com requisitos constantes do artigo 74, parágrafo 2º do Dec-Lei 200, de 25.02.67.
24 Bloqueto judicial ou determinação do Banco Central do Brasil
25 Cancelamento do talonário pelo banco sacado
26 Inoperância temporária de transporte
27 Feriado Municipal não previsto
28 Contra ordem, ou oposição ao pagamento, ocasionada por furto ou roubo.
29 Cheque bloqueado por falta de confirmação do recebimento do talonário pelo correntista

Cheque com irregularidade

30 Furto ou Roubo de malotes (pagamento monetário Inválido)
31 Erro formal de preenchimento (sem data de emissão, com mês grafado numericamente, ausência de assinatura, não registro do valor por extenso).
32 Ausência ou irregularidade na aplicação do carimbo de compensação
33 Divergência de endosso
34 Cheque apresentado por estabelecimento bancário que não indicado no cruzamento em preto, sem o endosso-mandato.
35 Cheque fraudado, ou emitido sem prévia controle ou responsabilidade do estabelecimento bancário (cheque universal) ou, ainda, com adulteração da praça sacada, ou rasura no preenchimento.
36 Cheque emitido com mais de um endosso (Lei 9.311/96).
37 Inconsistência de dados (para CEL)

Apresentação Indevida

40 Moeda inválida
41 Cheque apresentado a banco que não sacado
42 Cheque não compensável na seção ou sistema de compensação em que apresentado e o recibo bancário trocado
43 Cheque devolvido anteriormente pelos motivos 21, 22, 23, 24, 31 e 34, não passível de representação em virtude de persistir o motivo da devolução.
44 Cheque prescrito
45 Cheque emitido por entidade obrigada a realizar a movimentação e utilização de recursos financeiros do Tesouro Nacional mediante ordem bancária.
46 Cheque correspondente a “CR” não entregue no prazo estabelecido
47 “CR” Comunicado de remessa com ausência ou erros nos dados
48 Cheque emitido de valor superior a R$ 100,00(cem reais), sem identificação do beneficiário.
49 Remessa nula – Caracterizada pela representação de cheque devolvido anteriormente pelos motivos 12, 13,14 25, 35, 43, 44, 45 e 48
51 Divergência no valor recebido
52 Recebimento efetuado fora do prazo
53 Apresentação indevida
55 Ausência ou irregularidade de autenticação mecânica
56 Transferência insuficiente para a finalidade indicada
57 Divergência na indicação da agencia destinatária de número de conta ou do favorecido
58 Documento não comparável para credito conta poupança
59 Transferência internacional de recursos em moeda nacional, emitido sem consignar, de forma clara e destacado, a expressão “transferência internacional em reais”.
60 Padrão monetário não definido
61 Documento não compensável, podendo sua devolução ocorrer a qualquer tempo.
62 Doc “D” com divergência na identificação do nº do CNPJ/CPF ou se identificação do tipo de conta debitada ou creditada (Obs: aplica-se ao documento de transferência DOC “D” os motivos de devolução 57 e 58 já existentes)
63 Registro inconsistente
64 Arquivo lógico não processado ou processado parcialmente

_________________

Em quais alíneas você já foi enquadrado?


..

11 agosto, 2009

Workaholics: bom ou ruim para o negócio?


07/08/2009




Eta, cachorro vagabundo!
Trabalhar muito está na moda. Dá status. Idiotas se vangloriam com um chopp na mão, contando os muitos anos sem férias, a falta de tempo para o esporte, para a família e para o lazer. Ao final a desculpa é sempre a mesma: “Eu tenho que aguentar, pois isso é uma fase passageira da minha vida. Preciso construir uma carreira e fazer meu patrimônio. Faço isso por minha família, mas daqui a alguns anos estarei com o burro na sombra”. Só se for o burro do vizinho, pois o dele vai estar exatamente no mesmo lugar: trabalhando que nem um burro!

Os estudiosos em RH atestam que workaholics são viciados (o termo vem de alcoaholics… alcoólatras). A coisa funciona mais ou menos como nos outros vícios: começamos achando bonitinho imitar os outros e quando percebemos já era, viramos viciados em trabalho. Aí, para nos afastarmos do vício de trabalhar demais (que é para lá de muito) é tão difícil quanto largar o cigarro, ou largar de beber.

Os workaholics são fáceis de identificar. Quando sentados na praia embaixo de um guarda-sol esperam por uma distração da mulher pra checar e-mails no celular. Caminhando no parque no domingo, ligam para algum subordinado (oh, saco!!!!) para adiantar um trabalho que vão fazer na segunda de manhã. Com o jornal na mão, não conseguem se concentrar em nenhuma notícia, pois seu pensamento volta sempre para a tarefa inacabada, ou por iniciar. Dormem no cinema, mas depois têm insônia na cama. Levam o laptop para o hotel nas férias. Preparam planilhas no laptop enquanto a mulher vê a novela. Nos aeroportos só fecham o laptop quando ouvem a última chamada para o vôo. Dentro do avião ficam suando frio até ouvir o aviso que os equipamentos eletrônicos (seu laptop) finalmente podem ser acionados. Nas festinhas de aniversário abrem a roda (todo mundo se afasta) com seu papo chato sobre trabalho. Transam com a mulher sempre em dias e horas pré-determinados, sempre rapidinho. Não ouso afirmar que os workaholics têm ejaculação precoce, mas é bem possível. E por aí vai…. Falo de cátedra, pois sou um ex-workaholic.

Será que ser workaholic é bom para o profissional? Novamente fico à vontade para expressar minha opinião, já que, alem de ex, eu também gerenciei e gerencio workaholics. Como em todos os vícios, o ganho é momentâneo. De início os chefes adoram os workaholics. Num segundo momento percebem que eles causam problemas. Não trabalham bem em time, trabalham muito fora do expediente e depois se cansam nas reuniões matinais. Seu raciocínio aos poucos se torna embotado. São irritáveis e criam um ambiente tenso. Muitos desenvolvem profundas depressões. Finalmente, acabam virando os chatos do pedaço. A maioria dos workaholics têm “vôo de galinha: sua carreira decola rapidamente, mas aterrissa logo ali na frente.

Mas, e os chefões (C-Level), que sempre parecem trabalhar muito e se dão bem? Isso é um erro de análise. Na verdade, os chief executives trabalham intensamente, focadamente, para poder liberar tempo para o pensamento criativo, para o golfe e para a família. Conhecer a vida do Jack Welch (emblemático CEO durão da GE, que se tornou uma referência para seus pares) é uma lição de vida para todos nós. Ele dava duro e trabalhava pesado, mas sempre reservava tempo para conversar com seus funcionários (sua especialidade) e tempo para sua família.

O melhor e mais efetivo executivo que já conheci, um ex-chefe, gastava umas duas horas na parte da manhã olhando o parque do Ibirapuera pela janela, com os pés sobre a mesa. Quando alguém olhava desconfiado ele explicava: “Estou pensando no que vou fazer à tarde”. E à tarde ele sempre tinha grandes idéias e soluções para todos os nossos problemas. O ócio (bom em pequenas doses, como o stress) é criativo, conforme já escreveu o Domenico Di Masi.

Nas empresas bem sucedidas do século XXI o valor maior para o negócio é a inovação. É sabido que a inovação é a transformação de idéias criativas, produzidas por indivíduos, em projetos que irão melhorar o valor percebido da empresa pelo mercado. E, definitivamente, indivíduos cansados, estressados e irritadiços, não conseguem ser criativos. Portanto, meu velho, se você quer ver sua carreira bombando, trate de arrumar um tempinho pra coçar o saco (com o perdão da palavra).

10 agosto, 2009

INQUILINOS

Você mora de aluguel? Se sente infeliz? Então talvez lhe conforte saber que existem pessoas em situação pior que a sua. O pior inquilino é o espermatozóide. Mora com milhões de irmãos na casa do cacete.. O apartamento é um ovo.. O prédio é um saco. Os vizinhos da frente, uns pentelhos. O de traz, só faz merda. E o proprietário quando fica duro bota todo mundo para fora.

Antologia digital

Repassando diretamente do Blog Pensar Enlouquece

" Foi graças à antologia 26 Poetas Hoje, publicada nos anos 70, que tomei conhecimento pela primeira vez dos versos de nomes como Cacaso, Ana Cristina César, Francisco Alvim e Roberto Piva, dando destaque a uma geração de poetas que recorriam a mimeógrafos e fanzines para difundir suas obras, até então ignoradas pelo mercado editorial. Esta coletânea, organizada pela ensaísta, escritora e professora Heloisa Buarque de Hollanda, cunhou o termo "poesia marginal", que denominou aquela geração de autores que, em meio ao auge do regime ditatorial, arregaçou as próprias mangas para autoeditar seus versos coloquiais, desaforados e desengravatados.

Anos depois, Heloisa organizou uma nova coletânea de autores: Esses Poetas - Uma Antologia dos Anos 90. Na introdução à obra, que reúne autores do porte de Antônio Cícero, Augusto Massi e Cláudia Roquette-Pinto. Na introdução ao livro, publicado em 1998, afirma Heloisa: "Diante de qualquer formação de consenso a respeito de quedas de vitalidade na produção cultural, sinto-me impelida a organizar uma antologia de novos poetas. De tempos em tempos, portanto, me surpreendo engajada no processo de identificar sinais do que poderia ser um novo momento literário ou poético."

Pois bem: Heloisa Buarque de Hollanda acaba de coordenar, com o auxílio de colaboradores como Ramon Mello, uma nova seleção de autores, intitulada ENTER – Antologia Digital. São 37 nomes, reunidos dentre poetas, prosadores, quadrinistas, rappers, músicos, produtores culturais e cordelistas; dentre eles, este que vos escreve. Em entrevista concedida a Luiz Felipe Reis para o Jornal do Brasil, Heloisa fala sobre a nova compilação e as relações entre internet e literatura: "A antologia observa como todos esses autores encaram e exercitam diferentes práticas da palavra. Assumem essas novas modalidades e as expõem na web e nas ruas. Quero jogar luz sobre todos esses novos formatos que a palavra toma. Isso que é incrível. A palavra, nessas novas formas, apodera-se do estatuto da literatura e da prática literária. Isso é muito novo. É um momento de mudança na prática da palavra."

Aproveito a ocasião, pois, para convidar os leitores deste blog que estiverem no Rio de Janeiro a participarem do lançamento de ENTER – Antologia Digital: dia 11 de agosto, às 20 horas, no Cinemathèque Jam Club (Rua Voluntários da Pátria, 53, Botafogo).

07 agosto, 2009

03 agosto, 2009

filosofar...Karl Jaspers

palavras de Abbagnano ( (s.d.). Introdução ao existencialismo. Lisboa: Editorial Minotauro.s.d., p. 46):
«(...) existir significa, pura e simplesmente, filosofar, se bem que filosofar nem sempre signifique fazer filosofia. Com efeito, filosofar significa para o homem, antes de mais, defrontar, com olhos bem abertos, o seu destino e a si mesmo pôr, com clareza, os problemas que resultam da justa relação consigo próprio, com os outros homens e com o mundo. Significa não já limitar-se a elaborar conceitos, a idear sistemas, mas escolher, decidir, empenhar-se, apaixonar-se; em suma, viver autenticamente e ser autenticamente ele próprio”.
Se se permanecer no Dasein, a existência ficará limitada à realização da presença (estar-aí) enquanto existência do mundo e àquilo que dessa presença se pode conhecer. Equivalerá a um estar-aí opaco cuja realização consiste simplesmente em figurar como parte do mundo e cujacaracterística é essa mesma opacidade que lhe advém da ausência de poder reflexivo. O Dasein está no mundo mas não se reflecte a si próprio enquanto presença no mundo. Falta-lhe o que lhe permite estabelecer um horizonte de significação com o mundo e reconhecer-se ou re-ver-se interiormente na qualidade de outro em relação ao próprio mundo: a consciência.

Segundo Jaspers, é no plano da consciência em geral que, através do esclarecimento da Existência (Existenzerhellung), se supera o Dasein e a Weltorientierung. A Existência só se pode esclarecer. A realidade deixa de ser o mundo para ser a própria realidade do existir ou o próprio existir enquanto tal, uma vez que do ponto de vista formal.

Ao nível da Existência (superado o Dasein), o sujeito já não se identifica como mundo, mas como Razão... No seio da Existenzphilosophie, a «experiência» autêntica possível é aquela que aclara a Existência e o seu sentido.

A via da autenticidade existencial postuladapor Jaspers não pode ser, por consequência, a via do cogito, mas a via da reflexão (re-flexão). Superado o nível do conhecer e do mundo objectivo, trata-se agora de esclarecer o sentido da Existência. Como a autenticidade existencial é metafísica, só a via da reflexão permitirá que o sujeito regresse a si e se debruce sobre si transformando--se numa interrogação para si mesmo. Inquieta--se.

Mas a reflexão permite-lhe também que, nessa relação de-si-para-si, se distinga do que é e decida o que é. Permite-lhe conquistar a sua autonomia mesmo que, apesar disso, não se baste a si mesmo, uma vez que nem mesmo a reflexão lhe permite vencer a característica do possível espalhada por toda a Existência.

A Existência não está ancorada, uma vez que é sempre a Existência possível. Ela será a Existência que se escolher.

Não é o meu Dasein que é, portanto, a Existência; o Homem é que é, no Dasein, a Existência possível (T.A.).

conduziu este defensor da Existenzphilosophie à fundamentação de dois dos seus conceitos mais peculiares e característicos, a saber, o de inquietação existencial e o de situações-limite.

A inquietação existencial - enraíza-se no desejo constante do sujeito ser ele mesmo e de se compreender na intimidade do ser. Na qualidade de desejo existencial que é, corresponde ou traduz simplesmente a insatisfação estrutural do Dasein, limitado à sua facticidade. Por sua vez, esta insatisfação é uma luta que afirma e nega, que oprime e liberta, ao mesmo tempo. No coração da Existência, ela nasce da luta contra o ser-do-mundo e da luta pelo Mundo a que aspira dentro do seu próprio fracasso (Scheitern). Ou seja, por um lado, a Existência instala o sujeito em situações concretas e contingentes timbradas pela presença contínua dos seus limites e da sua impotência face a elas. Simultaneamente, e por outro lado, também o ensina a tecer ou a ler os caminhos e os sinais que podem conduzir o existente à Verdade da Existência e, por fim, à Verdade a Transcendência onde todas as possibilidades são possíveis.

O que falta então à situação para que ela seja uma situação-limite? Um salto. Um salto qualitativo. Através deste salto qualitativo que permite agora, ao sujeito, tudo confrontar, até a si mesmo na medida em que "Sou eu próprio, como se estivesse fora da minha vida existente e entro no mundo para me orientar nele. Já não apenas como ser vivo que tem como objectivo o meu conhecimento nas minhas situações, mas como eu próprio, para o meu conhecimento de tudo e do Todo que, como conhecimento não basta" . São os primeiros passos autênticos no caminho da realização do sentido mais profundo da liberdade existencial do indivíduo. Superado (mas não negado) o Dasein, o sujeito conquista através deste salto, e pela via da reflexão, o seu próprio poder. Escolhe-se a si mesmo como liberdade. Conquista o poder de se ver a si mesmo projectado na existência, o poder da distância especular através da qual a Existência ganha conteúdo, profundidade, tempo e historicidade.

o sujeito escolheu-se como liberdade. Decidiu-se pela sua própria independência. Transformou o ser-do-mundo (próprio do Dasein) em ser-no-mundo (próprio da Existência autêntica).

Chamo situações-limite àquelas em que me encontro sempre que não posso viver sem luta nem dor, em que inevitavelmente assumo a culpa e em que tenho de morrer. Não se transformam, ou transformam-se apenas na sua aparência, sendo, em relação ao Dasein, definitivas. Não são previsíveis; enquanto Dasein nada mais vemos por detrás delas. São como uma parede que enfrentamos e na qual fracassamos. Não podem ser por nós alteradas, chegando-se apenas à clareza sem a qual não explicamos nem deduzimos outra coisa. Elas são com o próprio Dasein (T.A.).

quanto mais a liberdade avança no sentido das suas limitações estruturais, mais procura saltar para além do finito, dando origem ao seu fracasso e tornando a culpa necessária. Como a liberdade é luta e conflito, a culpa é inevitável... Encarar as situações-limite, sem fugir e sem as negar, é o único modo que ele tem de poder decifrar ou ver o que está para além delas... Assumir livremente a sua ruína é a única forma de o homem descobrir que essa ruína não é o fim, mas um novo princípio e um novo começo.

O desespero e a angústia não surgem apenas da possibilidade de vivermos uma determinada situação como limite dessa mesma situação. Surgem também da nossa liberdade de decisão. Escolher. Não poder deixar de escolher. Mas escolher autenticamente. Realizar esta liberdade que torna o sujeito responsável pela sua Existência e pelo seu futuro consoante se escolha a si mesmo como liberdade ou como Dasein.

O querer do sujeito é que é a razão da sua escolha e o que faz com que a liberdade existencial seja sempre uma opção. Contudo, e porque tem origem no sujeito, o problema da liberdade existencial é, de novo, o da sua possibilidade. Ou ela é a vontade original do sujeito pessoal que quer que ela exista, ou ela, em si mesma, não é nada.

Quanto mais o indivíduo é, menos pensa; e quanto mais pensa, menos é (Jaspers, 1956, vol. 2). Não se trata de pensar a Existência, mas de vivê-la. Ou trata-se de pensá-la, vivendo-a.

A acção que é sempre um espelho renovado daquilo que ele é. O espelho que lhe mostra em que medida o eu vale pelo que faz, mas não é aquilo que faz.

Ao nível daExistência, a certeza possível não surge por via da Razão (limitada a dar-nos somente alguns prováveis), mas por via da liberdade (que nos dá o ser, através dos possíveis).

A certeza possível diz respeito à própria liberdade, vivida num emaranhado de dúvidas e incertezas. Ela furta-se ao saber e espraia-se, a seu modo, nas falhas que esse saber vai deixando. Desta forma, a Existência pro-jecta-se, na qualidade de algo que está sempre prestes a ser.

Na sua espontaneidade absoluta, o homem é a raiz da escolha por meio da qual toma consciência da sua liberdade original. É nesta escolha que o homem se reconhece no seu eu. A liberdade existencial conquista-se na decisão mas não deixa de ser um dom, no sentido em que é a vontade que se faz a si mesma.

Para Jaspers, isso significa que ela é, por natureza, antinómica. Se, por um lado, significa independência, uma vez que exige ou pré-supõe a autonomia interior da consciência; ela não deixa de estar, por outro lado, limitada pelo mundo exterior. Como não se cria a si mesma como Dasein, sofre o destino de todo e qualquer Dasein – morrer.

A liberdade existencial envolve a angústia daquilo que não se conhece.

liberdade, decisão e consciência são de tal modo inseparáveis, na obra de Karl Jaspers, que a decisão coincide com a personalidade. Chegam a ser a mesma coisa, sem que isso corresponda à defesa ou apologia de um eu solipsista. Pelo contrário, se pela decisão a escolha recai sobre o eu, pela escolha comunicativa a escolha do eu é sempre escolha de outrem.

Como não há Existência sem liberdade, e a Existência possível corresponde ao possível vivido, aquele que o sujeito escolhe (na sua acção), então existir é ir sendo pela escolha, pela decisão e na paixão.
E se a característica pela qual o homem se apreende é a do perpétuo inacabamento, então ele é sempre mais do que tudo aquilo que dele é conhecível. Ele é sempre o que por enquanto não é, mas está prestes a ser. É movimento, liberdade, temporalidade, tarefa, pro-jecto. Deve aventurar-se e correr riscos porque, como refere Jean Wahl (1962), a Existência é o mais alto valor que lhe é possível atingir.

«O significado essencial do encontro é o estar com, que implica a presença (de estar-por-si), a reciprocidade (enquanto troca ou estar-para-o-outro), o cuidado (no acolhimento do outro) e, ainda, um laço emocional entre um Eu e um Tu que criam um Nós, numa reciprocidade activa» (Carvalho Teixeira, 1993, p. 623);

transcender - Cada um desses actos é um momento intenso e raro em que o homem se decide pela liberdade, sabe que é e pode dizer eu sou, eu existo. É um salto através do qual alcança uma espécie de plenitude tão autêntica e tão pura que chega a ser dolorosa. Ao dar esse salto, o sujeito torna-se, ele próprio, origem (Ursprung) e começo. Sem pré-condições. Ao tomar consciência de si e da sua Existência, o homem sabe, mesmo sem o poder explicar, que a Existência não é um conceito, mas um sinal ou uma cifra que nos orienta para além de toda a objectividade.

É, de entre todas, a cifra derradeira e inevitável. Todas as outras são verdadeiras somente se culminam na cifra das cifras (que é o fracasso). Aquela que desfaz a ilusão de confundirmos o Dasein ou a liberdade com o Ser Absoluto, e aquela que nos mostra o caminho da Transcendência.

O sujeito contrai culpa porque, ao querer o impossível, não pode ser completamente o que quer.

Se o sujeito se escolhe enquanto natureza, fracassa como Existência; se ele se escolhe enquanto Existência, fracassa como Dasein.

À luz da Existenzphilosophie, o homem está condenado a naufragar no mundo. Somente em pleno naufrágio poderá converter o fracasso em vitória e ressurgir de novo por ter encontrado o caminho que dá acesso a si mesmo e à realidade que incomensuravelmente o ultrapassa.

Não é no saborear da realização, mas no caminho da dor, no olhar para o rosto implacável da existência do mundo e na incondicionalidade da própria Existência em comunicação, que pode ser alcançada uma possível Existência.

Razão pela qual, o fracasso é, para o ser-no-mundo, o sinal mais forte da presença da Transcendência no coração da imanência.

Do ponto de vista existencial, há que experimentar a Existência no fracasso, de acordo com as palavras de Jaspers em Philosophie. Quando tudo, em redor do sujeito, parece desmoronar-se, a cifra derradeira permanece em aberto exigindo de novo uma escolha.

O caminho a seguir é o da aceitação activa do fracasso. Nem resignação, nem desistência. Nem sequer a ilusão de destruir o mal. Porque esta via da aceitação activa é a mesma do repouso pelo fracasso. Um repouso que se conquista somente no instante da Existência, aceitando-o sem garantias objectivas. O fracasso supera-se no acto da escolha sempre que o sujeito opta livremente pela Existência. Na cifra das cifras, através da fé filosófica, o homem lê a Transcendência e acredita na Existência; o sujeito regressa à consciência de si e da sua historicidade livre.

A Transcendência ou Englobante é, para Jaspers, e recorrendo à terminologia de Jean Wahl
(1962), o ser-em-si.

Ser Absoluto, transcende tanto o Dasein como a Existência e, porque transcende, não se pode revelar. Vive a sua vida em-si. Apoia o mundo, mas sem o amar e sem se interessar por ele. Também não precisa nem depende da liberdade

A forma mais adequada pela qual o homem a pode perspectivar é o Silêncio.

Na obra jasperiana, a Transcendência também não se conhece nem se experimenta, crê-se. Crê-se porque se reconhece, e não porque se invoca. Pode ler-se no(s) fracasso(s), cujo sentido mais profundo é a própria Transcendência.

Do ponto de vista humano, a Transcendência apenas pode ser esclarecida, uma vez que é ela que tudo esclarece . A Transcendência já-lá-está, impelindo o homem que, por sua vez, transcende o mundo e se transcende a si mesmo como Dasein.

Assim como a Verdade é o nosso caminho, a Transcendência é o sentido da Existência

De acordo com Jaspers, a fé é a expressão máxima da liberdade humana, o único caminho conducente à certeza existencial e ao acto interior pelo qual o sujeito encontra o Ser dos seres. É o «único método válido» que leva à Transcendência (Jolivet, 1975). Karl Jaspers considera a fé filosófica e a crença religiosa como duas irmãs irreconciliáveis que se combatem sem deixarem de ser irmãs. Nessa irreconciliação, apenas a fé filosófica se constitui, em seu entender, como método válido e coerente, ao nível metafísico.

«(...) não está “ultrapassada” a permanente aspiração do humano à compreensão e à descoberta do sentido, e à sua própria construção». De acordo com a Existenzphilosophie, o homem que crê, e na medida em que crê, supera o seu fracasso. Somente a fé filosófica o ajudará a ler a Transcendência, a dar o salto pelo qual a Existência colhe todo o seu sentido e autenticidade.
Fonte: A filosofia existencial de Karl Jaspers por ANTÓNIA CRISTINA PERDIGÃO http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v19n4/v19n4a05.pdf
  • vitória do indivíduo é perceber o absurdo da vida e aceitá-la...
  • As regras sociais são o resultado da tentativa dos homens de planejar um projeto funcional. Ou seja, quanto mais estruturada a sociedade, mais funcional ela deveria ser...
  • Os existencialistas explicam por que algumas pessoas se sentem atraídas à passividade moral baseando-se no desafio de tomar decisões. Seguir ordens é fácil; requer pouco esforço emocional e intelectual fazer o que lhe mandam. Se a ordem não é lógica, não é o soldado que deve questionar...
  • porque só se poderá considerar filósofo aquele que pensar à luz das experiências mais pessoais..
  • a existencia do homem: só o poderá ser na medida em que deixar de ser objecto para si...
  • a possibilidade de superar o processo infinito da orientação do mundo: a superação que abre caminho ao esclarecimento da Existência...
  • indivíduo enquanto projecto existencial concreto.
  • O sujeito é constrangido a ser livre, uma vez que, para o ser, se tem que escolher a si mesmo) sartre


Nietzsche também se referiu ao abismo: «O homem é uma corda estendida entre o animal e o super--homem – uma corda sobre o abismo. É perigoso vencer o abismo – é perigoso ir por este caminho – é perigoso olhar para trás – é perigoso ter uma tontura e parar de repente! A grandeza do homem está em ele ser uma ponte e não uma meta»



Importantes Filósofos para o Existencialismo
Martin Heidegger
Jean-Paul Sartre
Søren Kierkegaard
Edmund Husserl
Friedrich Nietzsche
Arthur Schopenhauer
Martin Buber

02 agosto, 2009

Fracassos e fracassados


Uma mesa de bar me trouxe até aqui. Não como um tapete voador faria (apesar de eu já ter visto uma briga de bêbado onde uma mesa de ferro da Skol sobrevoou a rua e terminou na outra calçada), mas sim com os poderes mentais que somente o álcool proporciona.

Entre garrafas vazias e petiscos quase quentes, Ed Correia perguntou:
- Cara, o que você sabe sobre fracasso?

Tenho 34 anos, pareço mais velho do que gostaria, bebo além do que deveria e sou extremamente feliz porque abracei minha condição de total fracassado. Passei da fase de negação, superei a raiva e atravessei correndo a resignação em direção ao prometido pote de ouro no fim do arco-íris: a indiferença.

Admito que tive uma boa ajuda da sorte. Meu primeiro, único e atual emprego é exatamente no coração da Besta. O departamento pessoal de uma grande empresa do Rio de Janeiro, uma das maiores do Brasil. Foi lá onde aprendi, ainda na flor dos meus 21 anos, uma importante lição materializada na folha de pagamento geral.

Você acha que sabe quanto o chefe do seu chefe ganha? Pense de novo. Números são frios, mas com o passar dos anos cada um dos nomes da lista ganha um rosto. Iluminados e cheios de vida no primeiro mês de trabalho, os olhos de quem passei a conhecer através da folha de pagamento envelhecem com o tempo. As rugas surgem. O medo da Regina Duarte vence a esperança cachaceira do Lula. Os números continuam frios.

Eles só esquentam lá para cima. Bem lá em cima da lista. E eu não estou falando de ordem alfabética.

Todo mundo devia saber disso desde o começo. Tem poucos lugares no topo e eles já estão reservados. Você pode correr, trabalhar mais do que precisa, mas de nada adianta se as regras já estão escritas e, acredite, elas não foram feitas pensando em você. “Só pode existir um”. “Dois homens entram, um homem sai”. “This is your life and it’s ending one minute at a time”. Nem no cinema os finais são felizes para todo mundo. Quem pensa assim esquece que tem muito mais gente além dos protagonistas.

Os coadjuvantes também queriam se dar bem. Sem contar os figurantes e a grande maioria que nem aparece nos créditos.

Eu sou o fracassado Zé Alves. Seu porteiro também deve ser um Zé sem grandes expectativas. Você é um Zé e talvez não saiba.

Seu porteiro não se incomoda com isso. Ele tem consciência de que nunca teve muitas chances. Um trabalho chato em troca de um salário de merda. Passar cantadas nas empregadas. Escolha agora: foder por 20 reais na Vila Mimosa ou aceitar Jesus Cristo no coração? Um filho que se der sorte vira jogador de futebol. A ignorância pode ser sabedoria. Ele é feliz.

Eu sou feliz porque aprendi a não esperar nada. O que vier é lucro. Para você que está lendo isso agora no trabalho e realmente acha que algo vai mudar radicalmente daqui a dez anos, meus pêsames.

- Zé Alves

01 agosto, 2009

Estudiosa defende a preguiça como estratégia de resistência




São Paulo, 16 de Junho de 2008Scarlett Marton, conceituada professora de Filosofia Contemporânea da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), concedeu, na semana passada, uma palestra polêmica sobre workaholics (trabalhadores compulsivos). Além de apresentar as possíveis razões para este fenômeno, trouxe à tona uma visão nada convencional sobre o tema.


Disse que o homem contemporâneo precisa retomar a preguiça, como estratégia de resistência. “A atual compulsão por trabalho criou pessoas sem consciência da própria existência. E isso não é saudável, nem no ambiente corporativo, nem no lar, de maneira geral. Isso atrapalha o trabalho em si”, diz Scarlett.


Para chegar a este pensamento, a filósofa recorreu à história do trabalho. “Na civilização greco-romana, o homem comum não tinha ocupação, ofício, profissão. Trabalho era sinônimo de degradação, tortura, era atividade para os escravos”, diz. Ela conta que só no século XIII, o trabalho ganhou um certo status entre as sociedades européias, graças às atividades manuais exercidas nos monastérios. “E o reconhecimento como valor social se dá apenas no Renascimento, no século XVII. Nesse período é que é visto como elemento que aprimora, desenvolve o homem. A idéia de lazer veio a ser, então, desenvolvida somente na década de 30 do século XX, com as férias “remuneradas”, afirma.


Em suas pesquisas, ela conta que a idéia do mesmo “lazer”, hoje, vem acoplada a uma certa obrigação. “Você tira férias e se sente na obrigação de viajar, de ter muito dinheiro para pagar um belo hotel, consumir belos produtos”, comenta. “Tudo nos é imposto pela propaganda”.


E esta noção de diversão, conforme a professora, teria se intensificado há 30 anos, quando apareceram os workaholics. “O evento do trabalhador compulsivo é muito recente. O homem moderno não se dá conta de que o ócio concede mais consciência sobre nossa própria condição humana. É preciso exercitá-lo”. Mas como exercer o ócio em uma sociedade que tanto nos cobra? “É preciso ter espírito crítico quanto às nossas atividades cotidianas, prestar atenção se nossos desejos são verdadeiros, ou fabricados e padronizados pela publicidade”, critica.


Se a teoria é bem articulada, o certo é que não é tão simples colocá-la em prática. A opinião é do dentista Oscar Razuk, que criou uma teoria de otimização de tempo ao perceber que 72% de seus clientes, a maioria formada por executivos, abandona os tratamentos dentários simplesmente por que são workaholics. “São pessoas que se preocupam muito com o trabalho e que se esquecem da própria vida. No meu caso, dentista que sou, tento mostrar que a saúde bucal pode aumentar a expectativa de vida de uma pessoa em até quatro anos. Muitos alegam, porém, que não têm tempo para acabar o tratamento, pois perderiam tempo e isso quer dizer perder dinheiro. Acabei então por pensar em palestras que abordam justamente a importância de se perceber que a saúde interessa mais do que o trabalho ou o dinheiro”, conta.


Cidinha De Conti, diretora da empresa de marketing Conti Ações Integradas está com sete ações diferentes nesta semana. Em cada evento que faz, cabe a ela criar, organizar e coordenar equipes, definir programas e logísticas. “Minha profissão exige muitos detalhamentos. Para que as ações dêem certo, é preciso que eu me entregue completamente. Assim, tenho que estar à disposição do trabalho em tempo permanente”, afirma. Ela acredita que a definição workaholic acaba se anulando, se a pessoa tem prazer em seu trabalho. “No meu caso, trabalho é uma fonte de prazer. Posso trabalhar aos sábados, domingos, feriado, seguidamente, que isso não vai me incomodar”, finaliza.


Ela trabalha, em média, dez horas por dia, em ritmo frenético. Não se considera workaholic, mas admite: “meus amigos dizem que a primeira característica de um workaholic é a negação de que faz parte deste grupo”.

Fonte: Aqui
(Gazeta Mercantil – Alexandre Staut)



Leia também o clássico Direito à Preguiça de Paul Lafargue



...