27 janeiro, 2007

Educação? como? onde? por que?

Desânimo na sala de aula, editorial da "Folha de SP"

Um sistema que deixa escapar entre os dedos 16% dos alunos mais velhos precisa de reparos urgentes



Eis a íntegra do editorial:

Uma legião de 1,7 milhão de jovens brasileiros entre 15 e 17 anos está fora da escola. Abandonaram as aulas por falta de vontade de estudar.

Análise do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) mostra que 40% dos jovens fora da escola a deixaram por desinteresse. A busca de emprego vem em segundo lugar (17%).

Por mais que se matizem os dados – não se pode excluir, por exemplo, uma soma de dois ou mais fatores para explicar a evasão –, o diagnóstico de que a escola "é chata" é indisputável.

Despontam aqui duas ordens de problemas.

Há aqueles mais marcadamente acadêmicos, como a repetência e a sensação de não aprender nada "útil", e outros com maior interface social, mas que também resultam em evasão, a exemplo de desemprego na família, gravidez na adolescência.

É preciso atacá-los todos.

Só que mudanças de envergadura exigirão medidas no campo acadêmico, as quais políticos relutam em adotar. Um sistema bem feito de progressão continuada ajudaria a baixar os índices de repetência.

Remunerar de forma diferenciada docentes e diretores cujos alunos se saiam melhor seria uma fonte de estímulo à excelência no sistema.

Também os "curricula" cobram há tempos uma ampla revisão. Tenta-se ensinar coisas demais aos jovens, perde-se o foco, e o resultado é fracasso.

Pelo menos nos anos iniciais, é preciso concentrar-se nas ferramentas básicas – português e matemática –, que mais tarde permitirão ao estudante assenhorear-se das demais ciências.

O fato, incontestável, é que a educação vai mal, e algo precisa ser feito. Um sistema que deixa escapar entre os dedos 16% dos alunos mais velhos precisa de reparos urgentes.

(Folha de SP, 14/1)

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Comentando:

Não me abisma saber que a Educação no Brasil vai de mal a pior.
como diz um velho amigo, professores agora são simples "Commodities" (são produtos "in natura", cultivados ou de extração mineral, que podem ser estocados por certo tempo sem perda sensível de suas qualidade, como suco de laranja congelado, soja, trigo, bauxita, prata ou ouro. Atualmente também são consideradas commodities produtos de uso comum mundial como lotes de camisetas brancas básicas ou lotes de calças jeans).

Tanto faz você ser uma laranja doce ou azeda, desde que dê algum "caldo" está na linha de produção e gerando lucro aos empregadores. Professores, hoje em dia, não precisam de ter uma "qualificação", mas apenas "render" um suco, mesmo que insoso, afinal existe açucar e ninguém será reprovado por tomar algo mais, digamos, "sem graça". Há que ser "básico" como uma camiseta branca, sem grandes dizeres.

Claro que, entre os 15 e 17 anos, queremos muito mais do que "conteúdos" chatos e sem aplicação prática para os nossos dilemas hormonais. A escola é enfadonha, chata. Os professores são sucos, em grande parte, azedos. O sistema tenta preparar o jovem para o vestibular de uma formação posterior, a tal profissão, que jamais tenha que usar certas fórmulas decoradas durante tantos anos de fundamental e médio.

Melhor do que estudar é viver, assim pensam nossos jovens. Estão errados? Lembro-me que o segundo grau (assim chamado na minha época) foi um dos piores momentos escolares que já vivi.

Eram conteúdos, provas, professores, exigências, currículos, pesados, chatos, e sem qualquer ligação com minha vida pessoal. Não havia contexto, havia decoreba. Havia obrigação. Havia teste de cognição e jamais de criatividade.

O jovem é, por natureza, "revolucionário", empreendedor, e colocá-lo sob uma redoma, uma camisa de forças, é mortal, improdutivo, desanimador e sem qualquer desafio.

A evasão escolar não é apenas problema do sistema educacional, mas do contexto cultural de um país. Se temos no Brasil uma inversão de valores, uma cultura que não permite autonomia e responsabilidade pelos próprios atos (vejamos a política), não temos que cobrar de nossos alunos postura diferente daquela que hoje eles demonstram.

Educar é questão nacional, educacional, familiar, institucional e pessoal. É parte de um todo muito mais complexo que o resumo "escola".

Se ninguém está interessado em propagar valores, pesquisa, leitura, senso crítico, quebra de paradigmas, falando de modo geral, por que nossos jovens devem ser responsabilizados pelos abusos e absurdos de um sistema "suco de laranjas"?

Não há, por enquanto, solução possível para esta questão. Embora, tenhamos professores dedicados, diretores comprometidos, coordenações visionárias. Contudo, uma escola é apenas uma ilha perdida num oceano de desmandos, lucro, capitalismo e "salve-se quem puder". Enquanto isso, tentamos lançar bóias àqueles que conseguem agarrá-las. Certamente, muitos morrerão afogados, inclusive, nós, os professores.

Um comentário:

Cesar Cardoso disse...

Bom, me parece que tem uma questão clara: o jovem sai do ensino fundamental, chega ao ensino médio, vê o desastre que se consumou desde que o ensino médio se tornou um grande pré-vestibular e vai fazer outra coisa da vida.

O ensino fundamental vai melhorando, mas o ensino médio está largado. Precisamos salvar o ensino médio.