24 fevereiro, 2007

Reflexão apropriada...

Somos o que pedimos ou o que deixamos de pedir?

por Fabrício Carpinejar

Não tinha coragem em minha infância de pedir o que desejava, eu desejava o que vinha.

Poderia roçar meus olhos nas vitrines das lojas, mas não apontava e dizia:
- Quero agora!

Não me envergonhava dos meus sonhos, justo por isso. Meus sonhos aumentavam os brinquedos que recebia.

Não ganhava mesada, tinha direito a ficar com as moedas quando a mãe trocava de bolsa.

Repartia com os irmãos em chicletes e balas para rodar o vidro do armazém. Meu carrossel era girar o baleiro.

Um pouco de nostalgia não fere a barba. Meu filho completa cinco anos.

Eu perguntei e perguntei o que ele queria. Como de costume, replicou com um abraço nas pernas:
- Qualquer coisa, qualquer coisa tá bom.


Qualquer coisa que eu desse para ele estaria realmente bom. Não estava fingindo com "não precisava". Ou escondendo o que pretendia. Clipes coloridos, uma lupa, um carimbo, e ele se veria espelhado.


Fui com ele olhar uma bicicleta. Já que não consegui ensinar a minha mulher, ensinaria a ele. Revistamos o shopping, até que ele ficou em dúvida entre duas.


O cansaço me agitava:
- Escolhe logo!


Ele me indagou, suave:
- Levo a mais barata.


A noção de que ele deve ajudar a família é maior do que seu desejo de ter tudo em seu quarto.
Outra história, agora com meus sobrinhos. Joãozinho, 4, e Nana, 7, pediram presentes aos seus pais. Nana gritou: Playstation II! Joãozinho, com olhar de bolinha de gude, recitou baixinho para seus pés: - Sementes para plantar arvorezinhas na chácara.


Ofertas cumpridas, até hoje o Playstation está parado no armário e Joãozinho plantou melancia, laranjeira e o diabo de flor durante uma semana, com a alegria escandalosa da bananeira.


Somos o que pedimos ou o que deixamos de pedir?



No amor, a ambição destrói a possibilidade de criar com pouco.

O luxo é uma espécie de esmola. Por mais que se dê, menos se está se oferecendo do corpo. Dar é subtrair a invenção.


A imaginação prefere a modéstia. Amor não é para ocupar o tempo, mas desocupar.

Comprei muitas vezes um pacote faraônico para não precisar brincar e estar junto. Algo para me dispensar de participar, que me isente da proximidade.


A compulsão de surpreender com presentes e jóias esconde uma avareza por dentro. De algum modo, estamos dispensando a comoção acompanhada de uma música ou da própria voz. Estamos nos substituindo.


Um afeto inesperado, uma palavra espichada como colar, uma meninice na hora de acordar correspondem ao apelo. Criar escolhas pode ser mais prazeroso do que escolher.


Penso isso ao encostar na árvore que Joãozinho plantou, com meu filho andando de bicicleta pelas lombas, num entardecer de ferrugem dos morros. De repente, nem vou escrever esse texto.


Encosto nas árvores para meu corpo crescer.

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