13 fevereiro, 2010

Blefe: o gozo pós-moderno por Louis L. Kodo


Blefe: o gozo pós-moderno
Louis L. Kodo

Se alguém disser, agora, que você deve 'amar o outro como a si mesmo', você vai dar uma boa gargalhada. E com toda razão. Em uma paisagem onde tudo se passa como em uma 'luta de catch entre cegos, (onde) o árbitro também é cego (e) os espectadores também, (e onde) tudo aconteceu no escuro - essa última condição é supérflua'8, é quase impossível encontrar um espaço para a piedade ou para servir a quem não conseguiu qualquer espólio.

O processo se deu. Quem pode se servir das maravilhas que foram liberadas, ótimo; quem não pode, que se mantenha no seu lugar. É assim que se dá a coisa no universo punctus. E é assim que a obra aparece.

O que se vê, então?
- Vê-se que toda ponderação só serve aos carniceiros;
- que a amabilidade sem nódoa pode emboscar o amante;
- que só os vícios podem leDim à honra;
- que o poder serve aos que estrangulam as leis e que as leis são o gozo da aristocracia;
- que só é dado gozar a quem toma o gozo;
- que o súdito é um morto;
- que a tirania é um dom e que ela deve ser alcançada;
- que aparecer é o único bem;
- que o dinheiro só chega por assentimento da agressão;
- que o bárbaro é aquele que se contenta com pouco;
- que os juízos devem se integrar à lascívia;
- que a não-indignação é o grande critério para se manter no jogo;
- que o inferno e todas as maldições moram aqui ao nosso lado;
- que o homem não tem natureza e que a sua única condenação é comer;
- que tudo é virtuosamente falso e por isso é humano;
- que só o dinheiro fácil pode ser honrado;
- que a morte é morte... nada mais;
- que todos os homens honrados são grandes embusteiros;
- que toda história é uma grande brincadeira;
- que cada servidor - filósofo, médico, artista, taxista, etc. - só serve a si mesmo;
- que o grande sistema não se interessa pelas vilas, pelos guetos, pelas pequenas casas, pelos andarilhos, etc;
- que é preciso corromper, descobrir-se um envenenador e falar;
- que o tempo de esperar já foi esperado e que agora a hora é de saquear;
- que a insensatez é o exercício de todos;
- que só a força pode suspender a servidão;
- que tudo deve ser desejado;
- que tudo é sátira;
- e que tudo é tudo sem identidade.

A obra se abre, definitivamente, quando as instituições - religiosas, políticas, sociais, educacionais, médicas etc. - que até então asseguravam um modelo exemplar para o seu facio, e ambicionavam o limite, esqueceram de suas responsabilidades (um blefe) e passaram a ambicionar muito mais do que podiam compreender as suas próprias leis, e por isso aparecem, e por isso se deixam ver. Não há lei (ou responsabilidade) capaz de sustentar uma estrutura que tem como sua estrutura a língua humana, fundada na insensatez. Como uma boa lembrança, dê uma olhada nas visões do 'Mundo Cão', de Miguelanxo Prado, onde toda estupidez apresenta-se crua, nos traços de Pasqual Ferry, no 'Crepúsculo', ou em 'Maus', de Alg Spilgelman9. É o homem que não consegue resistir à repetição contínua de sua nudez, que se cansa da mesma liberdade e que se espanta com o seu tédio, que vai, lentamente, liberar-se de si mesmo e despertar. E o 'despertar encerra-se no sentimento insuportável de que não há caminho a ser seguido'10. No entanto, seguir um modelo é uma coisa, criar instantes em que se possa burlar o que parece ser a ordem das coisas é outra bem diferente. Por isso, nenhuma proibição é capaz de conter aquele que procura um traje elétrico11 e, com ele, a sua hora punctus. Alguns homens sempre tiveram em suas mãos essa hora. E jamais deixaram de se vestir como Sade, como Sardanapalo ou como o santo Papa. Essa capacidade de esconder essa hora e de reservá-la a um grupo pequeno guardava a essência do mundo moderno. Moderno, assim, sempre foi a forma de eleger, como blefe, falsas verdades, e de guardar, para poucos, as que poderiam ser boas. Não pense que a alta burguesia acreditava em ordem, em boas maneiras e na igualdade para quem estava distante da Europa. Mas sabiam que era preciso investir nesse discurso para comer, sem muito esforço, seus vizinhos.

A hora punctus sempre esteve viva. No entanto, nunca pertenceu a todos; seu espaço era reservado. Solta, essa hora pode alimentar um tipo que esquece de sua nudez e que pode sair do controle. Não é à toa que para acalmar alguns tipos, em todas as cidades, em qualquer época, sempre existiu um espaço reservado ao gozo. Por mais santa ou fascista que seja, uma cidade sempre há de conviver com aqueles que nunca deixaram de gozar. O gozo é o pátio para se fixar à concórdia, para se acalmar os guerreiros e para guardar ou dar repouso aos que sabem crer. Tanto que no equilíbrio entre gozo e santidade estava depositada a maestria da falsa retórica dos ditos homens de bem, a boa estrutura das instituições e a boa convivência. Era preciso gozar, mas esse gozo devia ser medido, guardado da luz e, mesmo, dado por todos.

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Louis L. Kodo, é filósofo, historiador, mestre em Cultura, Organização e Educação e doutorando pela Faculdade de Educação da USP.
É autor do livro Blefe: o gozo pós-moderno, Coisas, Dos Homens, O Bobo e a Corte e PÓS-MODERNIDADE E EXUBERÂNCIA



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