14 agosto, 2009

Sobre a Escrita

Para mim, a tecnologia básica é a palavra, quero dizer, não é a tecnologia, é um fruto da tecnologia. A chave da tecnologia é o bit – tecnologia significa escrever sobre um corpo de conhecimentos. A palavra é a tecnologia-mãe, todas as tecnologias se baseiam na palavra, a palavra é a tecnologia primitiva. Lidar com a linguagem... Ser um escritor é lidar com a linguagem. Se forem histórias em quadrinho, então haverá um elemento pictórico, mas boa parte das coisas básicas é igual. Se você quer aprender a escrever, seja analítico, e isso provavelmente significará, quando você estiver começando, “seja reducionista”. É uma problema demasiado grande querer pegar tudo de uma só vez, pelo menos no início. Destrinche. Comece pensando sobre os diferentes componentes da história.

Que coisas a história deve ter? Deve ter um enredo, embora isso não seja a coisa mais importante. O enredo é o esqueleto. Algumas vezes um enredo bonito e elegante dá uma história, ótimo, mas às vezes o enredo precisa ser apenas um encadeamento de acontecimentos que te leva de A a B ou a D ou sei lá.

Agora, do que a história trata (o que não é o mesmo que o enredo)? Do que a história trata, o que você tem a dizer? Que tipo de forma ou impressão você espera deixar no leitor? Num certo sentido, a história, o poema ou o verso ou qualquer outra coisa que você esteja escrevendo pode ser pensado como um projétil. Imagine que seja um tipo de projétil que foi elaborado especialmente para ser aerodinâmico e que o alvo é a matéria cinzenta macia, o cérebro do leitor. Que tipo de forma, de corte, que tipo de cicatriz duradoura você quer deixar no leitor? Você projeta o míssil com base nessas considerações. O que você quer transmitir? Será algum tipo de informação, que pode ser factual, emocional, psicológica... Pode ser não-linear, pode ser mais ruído do que informação... como James Joyce, porque na verdade é o ruído que contém mais informação.

Um sinal puro é como Janet e John – sim, você pode entender tudo que está na página, mas não há muito que entender lá. Ruído – ou algo que se aproxime do ruído – é como uma página de James Joyce, de Ian Sinclair – onde há tal densidade de informação que ela quase se torna incoerente, mas está cheio de informação. Então, são as maneiras de transmitir informação – enredo, a história tem que tratar de alguma coisa, tem que ter uma finalidade, uma forma. Tem que ter uma estrutura. Se você for realmente inteligente, você pode fazer a estrutura, o enredo e o tema refletirem uns nos outros de alguma maneira, mas isso é somente ser espertinho. (...)

A escrita consumirá sua vida, porque muito da escrita acontece na sua cabeça – você não precisa estar trabalhando, não precisa estar acordado. Você não vai conseguir se livrar da escrita quando estiver com a cabeça sobre o travesseiro, quando estiver de férias em Yarmouth ou na lua, não há escapatória, tudo está dentro de sua cabeça. E se a coisa estiver andando bem, será provavelmente algo obsessivo. Se você tiver uma história fervendo, se for um escritor, provavelmente pensará sobre problemas dessa história, coisas boas que quer salientar, melhorar ou aumentar. Provavelmente pensará sobre essas coisas o tempo todo, talvez quando estiver trepando, jantando, no ônibus... É uma coisa que tomará conta de sua vida. Renda-se. Renda-se à escrita desde a primeira palavra. Não lute. É maior e mais importante do que você; faça o que ela mandar, mesmo se aparentemente estiver arruinando a sua vida, obedeça. Mesmo se te mandar fazer algo estúpido – se te mandar pular no precipício, pule.





Alan Moore

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