03 agosto, 2009

filosofar...Karl Jaspers

palavras de Abbagnano ( (s.d.). Introdução ao existencialismo. Lisboa: Editorial Minotauro.s.d., p. 46):
«(...) existir significa, pura e simplesmente, filosofar, se bem que filosofar nem sempre signifique fazer filosofia. Com efeito, filosofar significa para o homem, antes de mais, defrontar, com olhos bem abertos, o seu destino e a si mesmo pôr, com clareza, os problemas que resultam da justa relação consigo próprio, com os outros homens e com o mundo. Significa não já limitar-se a elaborar conceitos, a idear sistemas, mas escolher, decidir, empenhar-se, apaixonar-se; em suma, viver autenticamente e ser autenticamente ele próprio”.
Se se permanecer no Dasein, a existência ficará limitada à realização da presença (estar-aí) enquanto existência do mundo e àquilo que dessa presença se pode conhecer. Equivalerá a um estar-aí opaco cuja realização consiste simplesmente em figurar como parte do mundo e cujacaracterística é essa mesma opacidade que lhe advém da ausência de poder reflexivo. O Dasein está no mundo mas não se reflecte a si próprio enquanto presença no mundo. Falta-lhe o que lhe permite estabelecer um horizonte de significação com o mundo e reconhecer-se ou re-ver-se interiormente na qualidade de outro em relação ao próprio mundo: a consciência.

Segundo Jaspers, é no plano da consciência em geral que, através do esclarecimento da Existência (Existenzerhellung), se supera o Dasein e a Weltorientierung. A Existência só se pode esclarecer. A realidade deixa de ser o mundo para ser a própria realidade do existir ou o próprio existir enquanto tal, uma vez que do ponto de vista formal.

Ao nível da Existência (superado o Dasein), o sujeito já não se identifica como mundo, mas como Razão... No seio da Existenzphilosophie, a «experiência» autêntica possível é aquela que aclara a Existência e o seu sentido.

A via da autenticidade existencial postuladapor Jaspers não pode ser, por consequência, a via do cogito, mas a via da reflexão (re-flexão). Superado o nível do conhecer e do mundo objectivo, trata-se agora de esclarecer o sentido da Existência. Como a autenticidade existencial é metafísica, só a via da reflexão permitirá que o sujeito regresse a si e se debruce sobre si transformando--se numa interrogação para si mesmo. Inquieta--se.

Mas a reflexão permite-lhe também que, nessa relação de-si-para-si, se distinga do que é e decida o que é. Permite-lhe conquistar a sua autonomia mesmo que, apesar disso, não se baste a si mesmo, uma vez que nem mesmo a reflexão lhe permite vencer a característica do possível espalhada por toda a Existência.

A Existência não está ancorada, uma vez que é sempre a Existência possível. Ela será a Existência que se escolher.

Não é o meu Dasein que é, portanto, a Existência; o Homem é que é, no Dasein, a Existência possível (T.A.).

conduziu este defensor da Existenzphilosophie à fundamentação de dois dos seus conceitos mais peculiares e característicos, a saber, o de inquietação existencial e o de situações-limite.

A inquietação existencial - enraíza-se no desejo constante do sujeito ser ele mesmo e de se compreender na intimidade do ser. Na qualidade de desejo existencial que é, corresponde ou traduz simplesmente a insatisfação estrutural do Dasein, limitado à sua facticidade. Por sua vez, esta insatisfação é uma luta que afirma e nega, que oprime e liberta, ao mesmo tempo. No coração da Existência, ela nasce da luta contra o ser-do-mundo e da luta pelo Mundo a que aspira dentro do seu próprio fracasso (Scheitern). Ou seja, por um lado, a Existência instala o sujeito em situações concretas e contingentes timbradas pela presença contínua dos seus limites e da sua impotência face a elas. Simultaneamente, e por outro lado, também o ensina a tecer ou a ler os caminhos e os sinais que podem conduzir o existente à Verdade da Existência e, por fim, à Verdade a Transcendência onde todas as possibilidades são possíveis.

O que falta então à situação para que ela seja uma situação-limite? Um salto. Um salto qualitativo. Através deste salto qualitativo que permite agora, ao sujeito, tudo confrontar, até a si mesmo na medida em que "Sou eu próprio, como se estivesse fora da minha vida existente e entro no mundo para me orientar nele. Já não apenas como ser vivo que tem como objectivo o meu conhecimento nas minhas situações, mas como eu próprio, para o meu conhecimento de tudo e do Todo que, como conhecimento não basta" . São os primeiros passos autênticos no caminho da realização do sentido mais profundo da liberdade existencial do indivíduo. Superado (mas não negado) o Dasein, o sujeito conquista através deste salto, e pela via da reflexão, o seu próprio poder. Escolhe-se a si mesmo como liberdade. Conquista o poder de se ver a si mesmo projectado na existência, o poder da distância especular através da qual a Existência ganha conteúdo, profundidade, tempo e historicidade.

o sujeito escolheu-se como liberdade. Decidiu-se pela sua própria independência. Transformou o ser-do-mundo (próprio do Dasein) em ser-no-mundo (próprio da Existência autêntica).

Chamo situações-limite àquelas em que me encontro sempre que não posso viver sem luta nem dor, em que inevitavelmente assumo a culpa e em que tenho de morrer. Não se transformam, ou transformam-se apenas na sua aparência, sendo, em relação ao Dasein, definitivas. Não são previsíveis; enquanto Dasein nada mais vemos por detrás delas. São como uma parede que enfrentamos e na qual fracassamos. Não podem ser por nós alteradas, chegando-se apenas à clareza sem a qual não explicamos nem deduzimos outra coisa. Elas são com o próprio Dasein (T.A.).

quanto mais a liberdade avança no sentido das suas limitações estruturais, mais procura saltar para além do finito, dando origem ao seu fracasso e tornando a culpa necessária. Como a liberdade é luta e conflito, a culpa é inevitável... Encarar as situações-limite, sem fugir e sem as negar, é o único modo que ele tem de poder decifrar ou ver o que está para além delas... Assumir livremente a sua ruína é a única forma de o homem descobrir que essa ruína não é o fim, mas um novo princípio e um novo começo.

O desespero e a angústia não surgem apenas da possibilidade de vivermos uma determinada situação como limite dessa mesma situação. Surgem também da nossa liberdade de decisão. Escolher. Não poder deixar de escolher. Mas escolher autenticamente. Realizar esta liberdade que torna o sujeito responsável pela sua Existência e pelo seu futuro consoante se escolha a si mesmo como liberdade ou como Dasein.

O querer do sujeito é que é a razão da sua escolha e o que faz com que a liberdade existencial seja sempre uma opção. Contudo, e porque tem origem no sujeito, o problema da liberdade existencial é, de novo, o da sua possibilidade. Ou ela é a vontade original do sujeito pessoal que quer que ela exista, ou ela, em si mesma, não é nada.

Quanto mais o indivíduo é, menos pensa; e quanto mais pensa, menos é (Jaspers, 1956, vol. 2). Não se trata de pensar a Existência, mas de vivê-la. Ou trata-se de pensá-la, vivendo-a.

A acção que é sempre um espelho renovado daquilo que ele é. O espelho que lhe mostra em que medida o eu vale pelo que faz, mas não é aquilo que faz.

Ao nível daExistência, a certeza possível não surge por via da Razão (limitada a dar-nos somente alguns prováveis), mas por via da liberdade (que nos dá o ser, através dos possíveis).

A certeza possível diz respeito à própria liberdade, vivida num emaranhado de dúvidas e incertezas. Ela furta-se ao saber e espraia-se, a seu modo, nas falhas que esse saber vai deixando. Desta forma, a Existência pro-jecta-se, na qualidade de algo que está sempre prestes a ser.

Na sua espontaneidade absoluta, o homem é a raiz da escolha por meio da qual toma consciência da sua liberdade original. É nesta escolha que o homem se reconhece no seu eu. A liberdade existencial conquista-se na decisão mas não deixa de ser um dom, no sentido em que é a vontade que se faz a si mesma.

Para Jaspers, isso significa que ela é, por natureza, antinómica. Se, por um lado, significa independência, uma vez que exige ou pré-supõe a autonomia interior da consciência; ela não deixa de estar, por outro lado, limitada pelo mundo exterior. Como não se cria a si mesma como Dasein, sofre o destino de todo e qualquer Dasein – morrer.

A liberdade existencial envolve a angústia daquilo que não se conhece.

liberdade, decisão e consciência são de tal modo inseparáveis, na obra de Karl Jaspers, que a decisão coincide com a personalidade. Chegam a ser a mesma coisa, sem que isso corresponda à defesa ou apologia de um eu solipsista. Pelo contrário, se pela decisão a escolha recai sobre o eu, pela escolha comunicativa a escolha do eu é sempre escolha de outrem.

Como não há Existência sem liberdade, e a Existência possível corresponde ao possível vivido, aquele que o sujeito escolhe (na sua acção), então existir é ir sendo pela escolha, pela decisão e na paixão.
E se a característica pela qual o homem se apreende é a do perpétuo inacabamento, então ele é sempre mais do que tudo aquilo que dele é conhecível. Ele é sempre o que por enquanto não é, mas está prestes a ser. É movimento, liberdade, temporalidade, tarefa, pro-jecto. Deve aventurar-se e correr riscos porque, como refere Jean Wahl (1962), a Existência é o mais alto valor que lhe é possível atingir.

«O significado essencial do encontro é o estar com, que implica a presença (de estar-por-si), a reciprocidade (enquanto troca ou estar-para-o-outro), o cuidado (no acolhimento do outro) e, ainda, um laço emocional entre um Eu e um Tu que criam um Nós, numa reciprocidade activa» (Carvalho Teixeira, 1993, p. 623);

transcender - Cada um desses actos é um momento intenso e raro em que o homem se decide pela liberdade, sabe que é e pode dizer eu sou, eu existo. É um salto através do qual alcança uma espécie de plenitude tão autêntica e tão pura que chega a ser dolorosa. Ao dar esse salto, o sujeito torna-se, ele próprio, origem (Ursprung) e começo. Sem pré-condições. Ao tomar consciência de si e da sua Existência, o homem sabe, mesmo sem o poder explicar, que a Existência não é um conceito, mas um sinal ou uma cifra que nos orienta para além de toda a objectividade.

É, de entre todas, a cifra derradeira e inevitável. Todas as outras são verdadeiras somente se culminam na cifra das cifras (que é o fracasso). Aquela que desfaz a ilusão de confundirmos o Dasein ou a liberdade com o Ser Absoluto, e aquela que nos mostra o caminho da Transcendência.

O sujeito contrai culpa porque, ao querer o impossível, não pode ser completamente o que quer.

Se o sujeito se escolhe enquanto natureza, fracassa como Existência; se ele se escolhe enquanto Existência, fracassa como Dasein.

À luz da Existenzphilosophie, o homem está condenado a naufragar no mundo. Somente em pleno naufrágio poderá converter o fracasso em vitória e ressurgir de novo por ter encontrado o caminho que dá acesso a si mesmo e à realidade que incomensuravelmente o ultrapassa.

Não é no saborear da realização, mas no caminho da dor, no olhar para o rosto implacável da existência do mundo e na incondicionalidade da própria Existência em comunicação, que pode ser alcançada uma possível Existência.

Razão pela qual, o fracasso é, para o ser-no-mundo, o sinal mais forte da presença da Transcendência no coração da imanência.

Do ponto de vista existencial, há que experimentar a Existência no fracasso, de acordo com as palavras de Jaspers em Philosophie. Quando tudo, em redor do sujeito, parece desmoronar-se, a cifra derradeira permanece em aberto exigindo de novo uma escolha.

O caminho a seguir é o da aceitação activa do fracasso. Nem resignação, nem desistência. Nem sequer a ilusão de destruir o mal. Porque esta via da aceitação activa é a mesma do repouso pelo fracasso. Um repouso que se conquista somente no instante da Existência, aceitando-o sem garantias objectivas. O fracasso supera-se no acto da escolha sempre que o sujeito opta livremente pela Existência. Na cifra das cifras, através da fé filosófica, o homem lê a Transcendência e acredita na Existência; o sujeito regressa à consciência de si e da sua historicidade livre.

A Transcendência ou Englobante é, para Jaspers, e recorrendo à terminologia de Jean Wahl
(1962), o ser-em-si.

Ser Absoluto, transcende tanto o Dasein como a Existência e, porque transcende, não se pode revelar. Vive a sua vida em-si. Apoia o mundo, mas sem o amar e sem se interessar por ele. Também não precisa nem depende da liberdade

A forma mais adequada pela qual o homem a pode perspectivar é o Silêncio.

Na obra jasperiana, a Transcendência também não se conhece nem se experimenta, crê-se. Crê-se porque se reconhece, e não porque se invoca. Pode ler-se no(s) fracasso(s), cujo sentido mais profundo é a própria Transcendência.

Do ponto de vista humano, a Transcendência apenas pode ser esclarecida, uma vez que é ela que tudo esclarece . A Transcendência já-lá-está, impelindo o homem que, por sua vez, transcende o mundo e se transcende a si mesmo como Dasein.

Assim como a Verdade é o nosso caminho, a Transcendência é o sentido da Existência

De acordo com Jaspers, a fé é a expressão máxima da liberdade humana, o único caminho conducente à certeza existencial e ao acto interior pelo qual o sujeito encontra o Ser dos seres. É o «único método válido» que leva à Transcendência (Jolivet, 1975). Karl Jaspers considera a fé filosófica e a crença religiosa como duas irmãs irreconciliáveis que se combatem sem deixarem de ser irmãs. Nessa irreconciliação, apenas a fé filosófica se constitui, em seu entender, como método válido e coerente, ao nível metafísico.

«(...) não está “ultrapassada” a permanente aspiração do humano à compreensão e à descoberta do sentido, e à sua própria construção». De acordo com a Existenzphilosophie, o homem que crê, e na medida em que crê, supera o seu fracasso. Somente a fé filosófica o ajudará a ler a Transcendência, a dar o salto pelo qual a Existência colhe todo o seu sentido e autenticidade.
Fonte: A filosofia existencial de Karl Jaspers por ANTÓNIA CRISTINA PERDIGÃO http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v19n4/v19n4a05.pdf
  • vitória do indivíduo é perceber o absurdo da vida e aceitá-la...
  • As regras sociais são o resultado da tentativa dos homens de planejar um projeto funcional. Ou seja, quanto mais estruturada a sociedade, mais funcional ela deveria ser...
  • Os existencialistas explicam por que algumas pessoas se sentem atraídas à passividade moral baseando-se no desafio de tomar decisões. Seguir ordens é fácil; requer pouco esforço emocional e intelectual fazer o que lhe mandam. Se a ordem não é lógica, não é o soldado que deve questionar...
  • porque só se poderá considerar filósofo aquele que pensar à luz das experiências mais pessoais..
  • a existencia do homem: só o poderá ser na medida em que deixar de ser objecto para si...
  • a possibilidade de superar o processo infinito da orientação do mundo: a superação que abre caminho ao esclarecimento da Existência...
  • indivíduo enquanto projecto existencial concreto.
  • O sujeito é constrangido a ser livre, uma vez que, para o ser, se tem que escolher a si mesmo) sartre


Nietzsche também se referiu ao abismo: «O homem é uma corda estendida entre o animal e o super--homem – uma corda sobre o abismo. É perigoso vencer o abismo – é perigoso ir por este caminho – é perigoso olhar para trás – é perigoso ter uma tontura e parar de repente! A grandeza do homem está em ele ser uma ponte e não uma meta»



Importantes Filósofos para o Existencialismo
Martin Heidegger
Jean-Paul Sartre
Søren Kierkegaard
Edmund Husserl
Friedrich Nietzsche
Arthur Schopenhauer
Martin Buber

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