14 agosto, 2009

Do ler e escrever

De tudo o que se escreve, aprecio somente o que alguém escreve com o seu próprio sangue. Escreve com sangue; e aprenderás que o sangue é espírito.

Não é fácil compreender o sangue alheio; odeio todos os que lêem por desfastio.

Aquele que conhece o leitor nada mais faz pelo leitor. Mais um século de leitores ─ e até o espírito estará fedendo.

Que toda a gente tenha o direito de aprender a ler, estraga, a longo prazo, não somente o escrever, senão, também o pensar.

Outrora, o espírito era Deus, depois, tornou-se homem e, agora, ainda acaba tornando-se plebe.

Aquele que escreve em sangue e máximas não quer ser lido, mas aprendido de cor.

Na montanha, o caminho mais curto e de cume a cume; para isso, porém, precisa-se de pernas compridas. Máximas, cumpre que sejam cumes, e aqueles que aos quais são ditas devem ser altos e fortes.

O ar rarefeito e puro, a vizinhança do perigo e o espírito imbuído de uma alegre malvadez: coisas que combinam bem uma com a outra.

Quero ter duendes ao meu redor, porque sou corajoso. A coragem que afugenta os fantasmas cria os seus próprios duendes: a coragem quer rir.

Eu não sinto do mesmo modo que vós: essa nuvem que vejo debaixo de mim, essa coisa negra e pesada ─ é, justamente, a vossa nuvem de temporal.

Vós olhais para cima, quando aspirais a elevar-vos. E eu olho para baixo, porque já me elevei.

Aquele que sobe ao monte mais alto, esse ri-se de todas as tragédias, falsas ou verdadeiras.

Corajosos, despreocupados, escarninhos, violentos ─ assim nos quer a sabedoria: ala é mulher e ama somente quem é guerreiro.

Dizeis: “A vida é dura de suportar”.Mas para que teríeis, de manhã, a vossa altivez e, de noite, a vossa submissão?

A vida é dura de suportar; mas, por favor, não vos façais de tão delicados! Não passamos, todos juntos, de umas lindas bestas de carga.

Que temos em comum com o botão de rosa, que estremece ao sentir sobre o corpo uma gota de orvalho?

É verdade: amamos a vida, porque estamos acostumados não a vida, mas a amar.

Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre, também, alguma razão na loucura.

E também a mim, que sou bondoso com a vida, parece-me que as borboletas e as bolhas de sabão e o que mais do gênero há entre os homens, são as que melhor conhecem a felicidade.

Ver voejar essas alminhas loucas, leves e graciosas induz Zaratustra a chorar e a cantar.

Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar.

E, quando vi o meu Diabo, achei-o sério, metódico, profundo, solene: era o espírito de gravidade ─ a causa pela qual todas as coisas caem.

Não é com a ira que se mata, mas com o riso. Eia, pois, vamos matar os espírito de gravidade!

Aprendi a caminhar; desde então, gosto de correr. Aprendi a voar; desde então, não preciso de que me empurrem, para sair do lugar.

Agora, estou leve; agora, vôo; agora, vejo-me debaixo de mim mesmo; agora, um deus dança dentro de mim.

F. W. Nietzsche

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