13 maio, 2008

O chinês e os pratinhos


Texto por Selena Carvalho


Outro dia ouvi a confissão de uma amiga: não quero mais ser pratinho. Quero é ser o chinês.
Não entendi, tive vergonha de perguntar. Pensei ser gíria de gente nova e é nessas e outras que a gente entrega a idade. Não resisti, no entanto, a curiosidade a corroer.

Ela, então, explicou.

Tem homens (e ela estava falando em termos do gênero masculino, mas acho que vale para os dois) que mantém várias paqueras/relacionamentos/casos como os pratinhos que o chinês roda com varetas. Ele fica ali, rodando um pratinho, até que sente que outro está caindo. Ele então corre para este outro e agita a vareta. O pratinho começa a girar de novo, no ritmo do chinês. Até que ele vê outro que está quase caindo e se dirige para lá. E assim por diante, de modo que nenhum cai.

Achei a metáfora sensacional e me perguntei quantas vezes já fui pratinho na vida. Muitas, concluí. Chinês mesmo acho que nunca.

Minha amiga diz que quer ser um, mas eu duvido. Sei disso porque quando arruma um pratinho, fica satisfeita só com ele, rodando-o sem interrupção, com cuidado para que não caia jamais. E o pratinho, por sua vez, sendo o único, gira seguro, sem o menor medo de cair.

A metáfora é maravilhosa porque é verdadeira, retrata bem os relacionamentos atuais. Ao mesmo tempo é triste justamente porque é verdadeira e retrata muito bem os relacionamentos atuais.

Ando me imiscuindo na filosofia. O porquê disso não vem ao caso. Cada um recorre ao que lhe parece mais interessante para tentar ser mais feliz. A propósito, o livro do Alain de Botton chamado “As consolações da filosofia”, que mostra os motivos pelos quais grandes filósofos enveredaram por este caminho, que vão desde a falta de dinheiro, até desilusão amorosa, passando pela inadequação social.

Pois bem. Andei lendo André Comte-Sponville.

No delicioso livro “A felicidade, desesperadamente” explica ele, citando o pensamento de alguns filósofos da antiguidade: a pessoa só é feliz quando tem o que deseja. Acontece que desejo é falta; só desejamos o que não temos. Quando obtemos o que desejamos, continuamos sem ser felizes porque a felicidade é ter o que se deseja e não o que se desejava.

Complicado. Claro que ele propõe algo contra o círculo vicioso e aí vamos ao livro. Muito melhor lê-lo do que se contentar com parcas linhas de resumo.

Só sei que pensando nisso e relacionando com a história do chinês e seus pratinhos, vejo que os homens, e isso falo no sentido lato, só têm vontade de rodar o pratinho quando ele está caindo. Só deseja, portanto, o que falta, ou no caso, o que está quase faltando. O mais difícil, no entanto, é desejar o que se tem e, conseqüentemente, ser feliz com isso. Voltando ao nosso exemplo: rodar “o” pratinho (e não “um” pratinho), com dedicação e eficiência e sentir prazer nisso, mesmo ele estando lá firme, sem perigo de cair.

É isso o que eu quero: uma interação tal, que não importe ser o chinês ou o prato.

Queria aconselhar minha amiga a tentar também, mas não sei se me escutará, tão obcecada está com o objetivo de passar de pratinho a chinês.

Fica a torcida para que ela acesse o blog e leia a crônica.

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