11 abril, 2008

As Isabellas que alimentam nossas sensibilidades e crueldades




Por Solange Pereira Pinto


Euzinha, como jornalista que sou, e ferrenha questionadora das mídias, suas manipulações e sensacionalismos, poderia neste caso da Isabella Nardoni esculhambar a imprensa que divulga há mais de uma semana - com incrível veemência - a queda da menina de cinco anos e mais do que subjetivamente induz a sociedade contra o pai e/ou a madrasta da menina.

Em contraposição, poderia também dizer que a opinião pública, que aparentemente clama por “justiça” gosta de comer cadáveres frescos. Ou quem sabe, poderia dizer que a morte do menino João Hélio, também largamente especulada e veiculada com orgulho pelos meios de comunicação de massa, já estava gelada demais.

De outra forma, posso relembrar o caso da outra Isabela, a Tainara, que desapareceu em maio do ano passado em Brasília e foi encontrada decapitada, chocando a capital federal e todo o Brasil, cujas investigações foram transmitidas quase em tempo real (sendo manchete de capa por dias) e o tio era um suspeito em potencial. Só que quase um ano depois, houve a prisão de um vizinho (da avó da vítima) que confessou o crime. Porém, as causas permanecem ignoradas. Que pena, queria tanto saber os detalhes...

Recapitular, quem sabe, a morte do índio Galdino que chocou o país por ter filhos da classe média envolvidos num crime tão bárbara e covardemente montado pelo Correio Braziliense e similares ajuda a esclarecer o título deste texto. Ou o ícone Guilherme de Pádua (assassino da filha da novelista global) que muita gente ainda crê ser absurdo o fato de ele estar livre e recompondo a própria vida, já que a nossa sociedade quer mais do que justiça e grita, sim, por vingança.

É que um pouco de tudo praticamente cai no esquecimento (principalmente a autocrítica). Tem gente que anda dizendo que o caso da Nardoni pode se assemelhar ao da Escola Base, cujos donos foram amplamente “acusados” de pedófilos, indo a bancarrota, para depois em notinhas serem admitidos como inocentes.

A nossa gente, nossa espécie, se alimenta como urubu da carniça. Somos feitos de clichês e maracangalhas. Enquanto esses crimes podem reascender a sensibilidade humana do “ohhhhhhhhh como isso pode acontecer!”, ressalta também a crueldade do “queremos justiça até queimar no fogo do inferno!”. Entre a sensação de pena e de vingança vamos comprando jornais, vendo TV, comentando nos botecos e repartições públicas nossos vereditos fundamentados em superficialidades e especulações.

“Lembra-se da mulher de Belo Horizonte que jogou o bebê na Lagoa da Pampulha? Dizem que não tinha problema psiquiátrico e tampouco depressão pós-parto... Vai saber por que alguém joga um ser indefeso ao léu! Só pode ser uma monstra”. “Ah, mas monstra maior é aquela empresária de Goiânia que torturava a adolescente, um horror!”. “Que nada, monstros são os jovens que agrediam prostitutas nos pontos de ônibus”...

Sim. Monstros fazem nossa cabeça. Ligar a TV ou ler o jornal para saber monstruosidade da hora é café da manhã melhor que pão e leite, como bem retratou o filme Hotel Ruanda durante o massacre dos Tútsis pelos Hutus.

Ocupar do comezinho nos torna “melhores”. “Ele faz e eu não!”. Aliás, eu não faço como ele faz, eu bato devagarzinho...

Porém, entre uns e outros casos divulgados há centenas de abusos, absurdos, despropósitos, maus-tratos, mortes acontecendo no anonimato. O que tem feito um caso ser notícia e outro não? O tempo que se demora para cortar as redes de uma janela? Como se dá a seletiva para as quartas de final para o horário nobre? Quem dá mais? Ibope...

A mídia cumpre seu papel capitalista: vender. A gente cumpre o nosso papel: acusar ou acolher dependendo do lobo a alimentar. Desse jeito está tudo certo. Uma sociedade que não quer sair da bóia precisa de Judas para malhar. Uma imprensa que não precisa elevar o nível (ao contrário vende mais quando abaixa) distribui defuntos pelo controle remoto. O senhor fulano que levou bronca do chefe precisa esculhambar alguém. A dona cicrana que é tida como a mais bem-informada do reduto precisa de novidades por minuto. E a espécie humana, que se acha muito civilizada, peida cheiroso e acha que a bosta do outro é a que fede.

Mas me diga ai: quem são as Isabellas que alimentam as SUAS sensibilidades e crueldades?


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