30 janeiro, 2008

Inventário - Um outro eu descartável (parte II)



Inventário - Um outro eu descartável (parte II)
Por Solange Pereira Pinto, nem tão bão assim


Para Fernanda Ramirez

Os seres humanos são miméticos ou camaleônicos? Vêm do pó ou do lamaçal? Limbo. É. Era sim, um outro eu. Um outro nosso. Um outro coletivo. Um outro libertador. Um outro eu mesmo. Desses pós-eu-antigo-ou-antes-eu-amanhã. Um eu atual mesmo. Do formato do imediatamente. Lucidamente insano. “Você é fodona! Um beijo do caralho pra vc”. Poderia soar agressivo. Por vez, grotesco? A um fodão, não. À volta aparentemente igual, se não fossem os dias atabalhoados passando. Conhecia bem o gosto de nicotina. Reconhecia álcool com suor. Interpretava a rosa dos ventos. Via constelações de bêbados cruzando escadas. Conhecia Efeméride. O barman lhe sabia o apelido. Quem mandava, o dinheiro ou a loucura? O status ou a beleza? O adjetivo de dois gêneros alertava: “que pode ou deve ser descartado; que não se destina a conservar nem a consertar; que se deita fora após uma ou mais utilizações”. A força física ou a moral? A inteligência ou a esperteza? Para aonde se erguia o poder? O colete salva-vidas daquela noite era seduzir. Não perecer. Insensatez benigna das madrugadas entediadas. Do formato do imediatamente. Vestiu os olhos de doidice e largou tiros pela pista de dança. Um. Dois. Cinco. Nove. Mulheres atônitas. Homens pasmados. A criptonímia nos lábios. Treze. Quinze. Dezoito. Outra rajada de piscadelas inominadas. O cara lhe veio em direção. Tirou-lhe um sarro. Tascou-lhe na boca. HAHAHAH. Sem medo. Ali estava o poder. No anonimato. Na convicção. Na intensidade. Na dúvida do outro. Do outro outrem. É. Era sim, um outro eu. Do formato do imediatamente. Ninguém ousou interromper. Um. Dois. Cinco. Nove. Quem mandava era a coragem e a loucura. Com doideira não se mexe. “Não ultrapasse”. Ela estava lá. A maluquice encarnada de azul, dançando na boate. Poderosa. Diabólica. Feiticeira. A extravagância entre dentes: “tá tudo dominado”. A platéia do bom-senso e dos bons-costumes repetia em coro: “tá, tá, tatá, tatá, tá!”. É. Era sim, um outro eu. Do formato do imediatamente. Na pequenez do suficiente. O poder. Na mão. No corpo. No anjo caído. No copo. É. Era sim, um outro eu. Na ousadia. Lançando o peso da obediência ao surpreendido. Dotando o curioso. O sagaz. Uma alegria esbanjada. Era um outro eu descartável. Um outro nosso. Um outro coletivo. Um outro libertador. Um outro eu mesmo. Do formato do imediatamente. No ângulo do oblíquo. No tom do paradoxo. À volta, tudo aparentemente igual. Se não fossem os dias atabalhoados passando... Bebeu a terceira garrafa de água. Fechado para o dia. Disponível para si mesmo, à noite. Evitava o contato social. O corriqueiro do outro, estava sacal... Do formato do rotineiramente. Ele surgia mudo. Impetuosamente descartável noutro. Um beijo do caralho.

Um comentário:

Fernanda disse...

Obrigada amiga, um beijo do caralho pra vc!!! rsrsrsrsrs
Mulher tu tá escrevendo pra caralho... tá fodona!