13 dezembro, 2007

O amor ilude - por Solange Pereira Pinto



Vídeo com a música "Dança da solidão", Paulinho da Viola
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Eu demorei a pensar que eu podia pensar sozinha. Pensava que deveria pensar como os outros me diziam ser certo pensar. Pensar, enfim, o que pensavam. Hoje, porém, penso sozinha, penso coletivamente, penso por empréstimo quando falta algo próprio melhor para pensar.

Afinal, o que é solidão? Pensava agora em qual frase tomar emprestada (de alguma música) para sintetizar a “solidão humana de existir” e encontrei apenas as “solidões humanas de amar”.

Comecei a vasculhar as letras. Lembrei daquela cantada pela Elis “eu preciso aprender a ser só”. Perfeita! É isso que preciso aprender: a ser só. Mas lá na frente vinha o complemento “[...] poder dormir sem sentir teu calor”. Decepção!

Veio à mente o Gilliard com o trecho “aquela nuvem que passa lá em cima sou eu/ aquele barco que vai mar afora sou eu/ aquela folha que vaga pelas ruas sou eu”. Magnífico! Toda a solidão humana de se estar no mundo feito folha que parte da árvore e vaga. Mas, não! Finalizava com um “buscando você”.

Então veio de supetão ao som do violão, o Paulinho da Viola, “solidão é lava que cobre tudo/ amargura em minha boca/ sorri seus dentes de chumbo/ solidão palavra cavada no coração/ resignado e mudo”. Massa! Contudo, “[...] Camélia ficou viúva/ Joana se apaixonou/ Maria tentou a morte por causa do seu amor”.

Não desisti. Ana Carolina ajudou “hoje eu tô sozinha/ não sei se me levo ou se me acompanho” e aí tchan tchran “[...] parei de te esperar/ de enfeitar nosso barraco/ de pendurar meus enfeites”.

Quem sabe o Mc Marcinho? Não, apenas uma ponta de queijo solta no melaço: “eu canto esse Rap, é do solitário/ no meu pensamento, eu guardo seu retrato/ quando vou dormir eu só vejo você/ já pensei até mesmo em morrer”.

Lá estavam as conexões. Solidão e amor. Em melhor tradução, a solidão (ao que parece) acontece (ou passa a existir?) quando se perde um amor, quando não se ama, quando se sofre por amor etc. Foi então que constatei que a solidão é a ausência daquele que ama. Pensei: “é quando o seu (ser) interno não ama, se ausenta e não se deixa iludir”. Realidade demais. Amar necessita crença ou pelo menos acreditar que se sente o amor. Amor é torpor. Alma entorpecida. Solidão é espírito em alerta. Lucidez demais.

Minha amiga Fernanda Ramirez diz que “quando você não sabe o que sente e é grande e é incrível e é magnânimo e é sei lá o quê, apenas lhe sobram os adjetivos, você diz que ama”. Seria esse um “conceito coletivo” do amor nos dias de hoje?

Em resumo, diz nossa cultura musical, simplificando, que solitário/sozinho é quem não ama, não “tem” ninguém. (Assim pensa a “sociedade”?). Ou seja, as músicas, no caso, retratam e impulsionam à ilusão de que “quem ama não é sozinho nem solitário”. Assim, a crença se espalha e freneticamente se “busca o amor” para evitar os “vazios solitários”.

Pensando melhor, se esse é o arquétipo, talvez, seja isso mesmo. Ao se amar acredita-se que viverá melhor. Já a solidão não ilude (para o bem-estar) e torna a vida pior. Nesse jogo de espelhos, apenas o amor teria a competência do “acompanhamento”. Então, quem ama se sente acompanhado (ainda que seja apenas pelo amor que sente) e vive mais feliz (será?).

Assertivamente, o amor é miragem. Ilude o andarilho sob sol escaldante a andar sempre, ainda que exausto, um pouco mais. Amor é sobrevida. “[...] se um veleiro repousasse na palma da minha mão/ sopraria com sentimento/ e deixaria seguir sempre/ rumo ao meu coração [...]”.

Contraditoriamente, a solidão seja porventura a quimera daqueles que não sabem amar exatamente por temerem “ser iludidos”. Ou é, para outros, apenas uma contingência cultural de um mundo individualista e globalizado. E, ainda, para uns a solidão seja, quiçá, a anestesia do medo da entrega pela falta de confiança no outro (ou em si mesmo?).

Quando um filho de seis anos pula nos braços da mãe e se embola num abraço apertado é amor ou solidão?

Para mim, do viver resta mera interpretação – do que quer que seja – sob determinada perspectiva; seja essa aprendida, escolhida, imaginária, intrínseca. Sei lá! Particularmente, cada um ama ou é solitário. E, você o que pensa? Sozinho ou acompanhado?

Camões eternizou: “amor é fogo que arde sem se ver/ é ferida que dói e não se sente/ é um contentamento descontente/ é dor que desatina sem doer/ é um não querer mais que bem querer/ é solitário andar por entre a gente/ é nunca contentar-se de contente [...] mas como causar pode seu favor/ nos corações humanos amizade/ se tão contrário a si é o mesmo amor?”

Enfim, o amor ilude.

Um comentário:

Fernanda disse...

Amiga, como eu acho que o amor não ilude, que o amor é simplesmente o amor... vou ter que escrever um texto inteiro, então depois eu volto... rsrsrsrs... bjs