20 abril, 2007

Trocando os ouvidos pelos olhos...











Por Solange Pereira Pinto

Ao ver fotografias das manifestações organizadas pelo movimento “Rio de Paz”, coordenado por Antônio Carlos Costa, pensei estar diante de um ato artístico, por tamanha beleza das imagens. Intrigantes e reflexivas.

A forma de retratar a violência que origina os assassinatos e as vidas perdidas na “cidade maravilhosa”, que já dá sinais tão desgastantes de descontrole social, é criativa, inovadora e porque não dizer pura arte.

A mais recente manifestação (terceira do movimento no mesmo local), batizada de “Jardim da morte”, foi realizada nesta semana na praia de Copacabana/RJ. Na ocasião, os manifestantes plantaram 1300 rosas na areia, representando o número de vítimas da violência no Rio de Janeiro desde o início do ano.

Em geral, manifestos são atos com faixas, palavras de ordem, gritaria. Ações que acabam por envolver polícia, engarrafamentos, fechamento de ruas, e até mesmo criar certa “antipatia” por mudar a rotina dos cidadãos que se vêem “obstaculizados” pela passeata.

Nesse caso, não. Houve movimento sem tumulto. Houve recado sem faixa. Houve mobilização da população sem engarrafamentos. Penso que tudo se deu numa espécie de “performance”, ou melhor “happening”. Um manifesto-arte. Um evento planejado sob outro olhar. De certa forma, uma apresentação “quase teatral”, com participação de voluntários, que culminou em uma “obra de arte” no espaço público. Verdadeira arte contemporânea, com visível rebeldia, vontade de surpreender, originalidade.

Um manifesto que vai além do próprio ato, deixando sua marca para futuras reflexões. Um ato que tem por trás de si uma mensagem perene. Os manifestantes se foram e a idéia ficou. Um silêncio que promove contemplação, como somente a arte tem poder. O espectador interage com a obra e guarda em si a imagem.

Quantas manifestações vemos diariamente nas ruas? O que delas retemos em nossas mentes? O que nos lembramos quantos aos discursos gritados ou escritos em faixas? E agora diante das imagens das flores, das cruzes, das pessoas deitadas no calçadão, o que ficará?

Penso que essas imagens se manifestam mais em nós. Deixam-nos com a alma embevecida de beleza e dor. Coloca-nos em contato com o espelho, com o reflexo. Atiça o pensamento.

Talvez seja o “manifesto-arte” um mecanismo de protesto contemporâneo mais eficaz. Pelo menos, para mim, mobiliza melhor do que ruas interrompidas com camisetas de ordem e megafones para escutarmos o que já estamos cansados de ouvir.
O silêncio fala e arte o divulga.


Um comentário:

Anônimo disse...

Jardim da Morte. As fotos são fantásticas. O RJ realmente...mas no interior a coisa está feia também. Penso que o problema esteja na má distribuição de renda, na falta de educação (escolar e familiar), pais despreparados para criar filhos, o não respeito às diferenças etc e tal. Mas, enfim, este é o nosso mundo, cheio de ilusão, e todos pensando em salvação depois da morte, quando a salvação está bem aqui, na Terra; bastaria que a sociedade capitalista fosse menos desumana. Viu o massacre nos Estados Unidos, viu o estudante coreano? No fundo, o ser humano é assustador, não é mesmo? Vamos vivendo, é só o que nos resta, afinal. Boa viagem até Sampa.