05 março, 2007

Eclipse: a vida em sombras

Sem título
Autora: Solange Pereira Pinto
Ano: março/2007
Técnica: mista

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Eclipse: a vida em sombras


Por Solange Pereira Pinto
03.03.2007



Março começou com eclipse total da lua. A terra se pôs entre o astro rei sol e o satélite lunar para fazer sombra. Ao contrário do eclipse solar, no qual a lua se coloca entre sol e terra. Por não ser um lugar comum o eclipse atrai atenção, olhares curiosos para o céu. É um momento para se perceber que a natureza é bem maior que nossos devaneios. É um instante para se notar que em um determinado intervalo de tempo, em rotações e translações infinitamente rápidas, os astros se movem e se postam em paralelas. O que isso me faz pensar? Tudo e nada.



Na quinta-feira passada(1/3/2007) um jovem se lançou de um andar do shopping Pátio Brasil (Brasília) até morrer no chão. É o oitavo caso e, eu fiquei sabendo, ao descer pelo elevador panorâmico, quando questionei a quantidade de policiais e seguranças no térreo, cercados por “fitas” de isolamento e proteção. Ao que se sabe, o “motivo”, foi por uma namorada que assistiu ao ato suicida.


O que isso tem relação com o eclipse? Tudo e nada. De repente o indivíduo se vê encurralado entre duas questões: viver ou morrer. Assim como a lua pode estar entre Terra e sol e a Terra entre sol e lua.


O que se vê é a sombra. A sombra das dúvidas, do incompreensível, do imponderável, da realidade perversa. Morrer em um shopping pode ter representações além de um caso amoroso. É um lugar de consumo, de aparência, de demonstração de poder. Matar-se pulando de uma ponte pode ter outros significados. Não estou aqui apontando verdades, mas elucubrando situações.


A pressão diária e a rotação das imposições econômicas e sociais nos fazem mover por “terras” incompreensivas e abusivas. Temos que sobreviver aos furacões da rotina e da selva urbana dia após dia, “intactos”, “soberanos”, “fortes”.


O dia-a-dia tem nos imposto capacidades e habilidades sobre-humanas para lidar com as intempéries cotidianas. Moradia, alimentação, escola, transporte, lazer, prazer e tudo o mais que a sociedade civilizada nos impele a acreditar como correto, oportuno, digno e necessário.


Não é para todos sobreviver a tamanhas exigências e compulsões. Somos animais, apesar de complexos pela construção e criação da linguagem, frágeis na estrutura emocional. Enquanto o “mundo” lhe pede para pisar sobre os outros para ser o predador bem-sucedido, há algo maior que reprime alguns a sobrepujar os semelhantes, ainda que diferentes.


Penso que viver no século XXI é quase um retorno à era primitiva, na qual se exigia mais força física para se manter incólume aos acontecimentos naturais e “civilizatórios”.


Já não sei mais o que é civilização, o que é natural, ou artificial. Nem mesmo quem sou e quem deveria ser ou não ser. Estamos na época do contraditório, do paradoxal, de se “matar para viver”. E é isso vida?


Assim, não somente jovens se jogam em vôos mortais por causa de suas sombras, mas toda sociedade está adoecida e enlouquecendo diante de tanta tecnologia, rapidez, estímulos e pressões. Somos, de certa forma, obrigados a ser felizes, bonitos, magros e ricos. Como se viver fosse entrar em uma máquina de fazer “gentes” iguais, ao final saindo quentinho do forno humanos padronizados.


Vivemos eclipses diários internos de emoções, razões, indignações e conformismos, cada hora um se postando frente ao outro. Os consultórios psiquiátricos estão cada vez mais lotados, os laboratórios farmacêuticos produzindo cada vez mais remédios tarjas pretas, os psicólogos se esbarrando em prédios comerciais, os indivíduos cada vez mais insatisfeitos e estressados. Crianças adoecendo de depressão e hipertensão, apatia e falta de concentração. Adultos impacientes. Igrejas em cada esquina disputando fiéis. Não sei em que momento “evolutivo” estamos, ou se é porque simplesmente a informação chegue mais rápido. Talvez tudo ainda esteja igual ao princípio...


A diferença é que nossos ancestrais tinham os astros e a natureza como deuses a temer ou reverenciar; que eclipse podia ser um fenômeno milagroso e sem compreensão; que se matar diante dos outros não tinha a conotação de “covardia”. Sei lá. Agora temos grades nos cercando e alguns querem ultrapassá-las. Suicídio não é a solução dos problemas para quem está de fora. Mas, sabe-se lá o que se passa dentro de um ser desesperado com “eclipses” internas. Não nos resta julgar, porém admitir que nossa “civilização” está adoecida e, por que não dizer, enlouquecendo. Já se disse por aí “de perto ninguém é normal”, alguém duvida?

2 comentários:

Cesar Cardoso disse...

Aliás, o eclipse lunar foi lindo. Coisa de louco.

E eu jurava que quem disse que 'de perto ninguém é normal' tinha sido o Caetano Veloso...

Anônimo disse...

é mesmo cesar, acho que é caetano! vou arrumar rsss bjao, e valeu a correçao! inte Solange