27 janeiro, 2007

Duplamente prisioneiros

Agora, na madrugada, conversava com o Roger. Quase três da manhã veio a filosofia: “o ser humano é a inteligência em um animal”.

Ótima definição e tampouco nova. Falávamos sobre virgindade, monges, mundano, devassidão... O que leva uma pessoa a viver mais plenamente o seu lado animal ou o seu lado racional?

Disse Buda que melhor mesmo é o caminho do meio...

Falava sobre autoconhecimento. E esse, sem dúvida, dói. Descobrir as próprias sombras e o próprio “lixo” é um ato de coragem e muita reflexão. Melhor falar dos vizinhos e ver novela, “pensa” a maioria.

Contudo, lá estão os monges aprisionando seus “animais” na meditação e sublimando o corpo para um paraíso futuro, para a iluminação. Assim como as virgens e beatas.

Por outro lado, vemos pessoas aprisionando a “razão” para viverem como animais plenos em seus instintos e irracionalidade. Muitos são os exemplos.

Viver o aqui-e-agora dos prazeres mundanos e carnais – o “paraíso” da vida – ou escolher viver o amanhã do “paraíso” da morte? Paraísos e infernos (dependendo do ângulo de visão) tão ensinados pelos dogmas religiosos e morais.

Perguntei a ele: “somos animais aprisionados na razão, ou uma razão aprisionada no animal?”

Ele disse: “ambos. Essa é a condição humana”.

Exato. Talvez, a chave de toda a tormenta existencial. Conviver com a dupla prisão, sabendo que a liberdade é utopia. Uma questão de escolha quanto ao predomínio de uma ou outra “redenção”.

Difícil mesmo é caminhar pelo meio que não seja apenas o dentre as pernas ou muito além dos prazeres que só o corpo pode dar...

soll

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Essa pode ser uma "síntese":


Embriagai-vos

É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a isso; eis o único problema. Para não sentirdes o fardo horrível do Tempo, que vos abate e vos faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis sem tréguas.


Mas – de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor. Contanto que vos embriagueis.

E, se algumas vezes, sobre os degraus de um palácio, sobre a verde relva de um fosso, na desolada solidão do vosso quarto, despertardes, com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai-lhes que horas são; e o vento, e a vaga, e a estrela, e o pássaro, e o relógio, hão de vos responder:

- É a hora da embriaguez! Para não serdes os martirizados escravos do Tempo, embriagai-vos; embragai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor.


(Charles Baudelaire)

Um comentário:

Anônimo disse...

“Creio que poderia transfomar-me e viver com os animais. Eles são tão calmos e donos de si,
Detenho-me para contemplá-los sem parar.
Não se atarantam nem se queixam da própria sorte,
Não passam a noite em claro, remoendo culpas,
Nem se aborrecem falando de suas obrigações para com Deus.
Nenhum deles se mostra insatisfeito, nenhum deles se acha dominado pela mania de possuir coisas.
Nenhum deles fica de joelhos diante de outro, nem diante da recordação de outros da mesma espécie que viveram há milhares de anos.
Nenhum deles é respeitável ou desgraçado em todo o amplo mundo.”

Walt Whitman, poeta