06 dezembro, 2006

O velho Mal... por anos... Parte I – Gustave Flaubert

Por Solange Pereira Pinto

Não sei que nome dar a este texto. Nem o título eu consegui conceber muito bem. O fato é que estou encantada (ou viciada?) pelos “desabafos” de Gustave Flaubert. Por isso, resolvi fazer uma escavação e apresentar no Mal de Montano pedaços de trilhas.

A vontade mesmo era dizer a todos: LEIAM. Então, eu digo: LEIAM.

No entanto, para quem sabe despertar um desejo, não me contenho e vou divulgar uns sublinhados. (É. Eu tenho o péssimo hábito de marcar os livros que me marcam. Talvez, uma doce vingança. Além de fazer meus comentários nos mínimos espaços brancos que circundam as palavras impressas, sejam agradáveis ou não).

Não quis “interpretar”, pois como disse Kierkegaard cada um que leia (de preferência o original, que não é aqui o caso) e tire suas próprias conclusões. Apesar de que “selecionar” já é uma maneira de induzir o outro a um olhar “prévio”. Tatarará! Vamos nessa!

Gustave Flaubert (1821-1880) começou a escrever “Madame Bovary” em 1851 (aos 30 anos) e finalizou a obra em 1856. Isso é o que diz “Cartas Exemplares” (Ed. Imago, 2005, tradução de Carlos Eduardo Lima Machado). Mas, a verdade é que Flaubert inicia sua devoção pela escrita ainda menino, por volta dos dez anos.

As correspondências estão “divididas” em três partes. Infância. Os anos de aprendizado (1821-1851). Os anos de Madame Bovary (1851-1856). De Salammbô a Bouvard et Pécuchet (1856-1880)

Na primeira parte do livro, as correspondências enviadas a Ernest Chevalier, Gougaud-Dugazon, Louis de Cormenin, Alfred Le Poittevin, Maxime du Camp, Louise Colet, Louis Bouilhet, Mme. Anne-Justine-Caroline Flaubert (sua mãe) revelam a ansiedade, os obstáculos, a obsessão e as dúvidas do futuro autor de Bovary em relação à arte de escrever.

Em muitos trechos ficam claros os conflitos vividos tão jovem. Ele que, por assim dizer, já “sofria do Mal de Montano”, a “doença diagnosticada” na obra de Enrique Vila-Matas. Então, nessa brincadeira do “Mal”, vamos a algumas passagens.

Diz para Ernest Chevalier, aos 18 anos: “[...] se eu vier a tomar alguma parte ativa no mundo será como pensador e desmoralizador. Eu serei obrigado a dizer a verdade, mas ela será horrível, crua e nua.” (p. 18).

Aos 21 anos escreve à Gougaud-Dugazon: “[...] Mas o que me freqüenta a cada minuto, o que me tira a pena das mãos quando estou tomando notas, o que me faz deixar o livro quando leio, é meu velho amor, é a mesma idéia fixa: escrever! É por isso que não faço nada, embora me levante bem cedo e saia muito pouco” (p. 19).

À Alfred Le Poittevin revela: “[...] A única maneira de não ser infeliz é encerrar-se na Arte e contar como nada todo o resto; o orgulho substitui tudo, quando está assentado sobre uma base firme. Quanto a mim, estou de fato muito bem, depois que aceitei estar sempre mal”. (p. 21).

“[...] Estou me tornando artista com uma dificuldade que me desola; vou acabar sem escrever uma só linha. Creio que poderei fazer coisas boas; mas me pergunto sempre, para quê?”. Trecho da carta enviada à Máxime du Camp em 1846. (p.24).

Já Louise Colet, poetisa, amante e confidente de Flaubert, recebe a maioria das correspondências disponíveis na primeira parte do livro. É para ela que ele descreve mais profundamente a si mesmo, das contradições, paradoxos, aos “piores e melhores” sentimentos quanto à vida, aos críticos, e ao ato da escrita. A angústia, decepção, instabilidade, euforia e persistência acompanham suas linhas. Alguns fragmentos a seguir:

“[...] A deplorável mania de análise me esgota. Eu duvido de tudo, e até mesmo de minha dúvida.” (p. 25).

“[...] Eu sempre evitei colocar algo de mim em minhas obras, e no entanto coloquei muito.” (p. 27).

“[...] Eu escrevo para mim, só para mim, como eu fumo e como eu durmo. É uma função quase animal, de tão pessoal e íntima”. (p. 34).

“[...] Há dias em que fico doente e em que, à noite, tenho febre. Mais eu avanço e mais eu me acho incapaz de alcançar a Idéia. Que mania esquisita essa de passar sua vida a trabalhar sobre as palavras e a suar todo dia para arredondar períodos! Há momentos, é verdade, em que se goza, desmedidamente; mas em troca de quantos desencorajamentos e amarguras não se compra este prazer!”. (p. 35).

“[...] Me vejo tentado a abandonar tudo e fazer coisas mais fáceis”. (p. 36)

“[...] Não é um negocio fácil ser simples. Eu tenho medo de cair em Paul de Kock ou fazer Balzac ao modo de Chateaubriand.” (p. 43). Parte final da carta escrita à Louise Colet, em 1951, quando começa o romance Madame Bovary.

Em seguida, “Cartas Exemplares” traz o escritor atormentado com a elaboração do seu mais famoso romance. Contudo, essa parte eu ficarei devendo (nem vou prometer fazê-la tão breve! Às vezes me falta o ânimo tão bem descrito por Gustave).

Posso adiantar que as correspondências desse segundo período são fascinantes. Mostra um escritor refletindo profundamente sobre sua atividade. Um Flaubert mais maduro, e ainda assim com todos dilemas e inseguranças que parecem jamais abandonar quem decide viver para e pelas palavras. A terceira parte lerei amanhã.

É ler para ver além do que eu vi. Combinado?

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito interessante...

Anônimo disse...

Concordo com o que disse o Eduardo. Muita gente como eu ainda não li nenhum livro dele, apenas textos da internet. Uma frase dele que pesquei na net eu gostei muito, ele escreveu que a estupidez abunda na província, é lá que a estupidez atinge o auge. Se por província eu entendi como o interior, posso dizer que é mesmo. As pessoas que vivem no interior são as mais abjetas possíveis, e vivem para o medo e a subserviência de imundícies como a Igreja, o Estado, a Moral, os líderes municipais, sei lá mais o quê.
Um pássaro interessante o Flaubert. Vou ver se acho algum livro eletrônico dele na internet. Ou visitar o sebo da rua do cemitério, aqui perto de casa. Um lugar assustador, o dono do sebo parece um alienígena disfarçado de rabino, ele só fala sim e não, na maior parte do tempo. E cheio de tatuagens melodramáticas no braço - deve ser mais um surfista dos sonhos.
Ave maria! A loucura impera neste país, multifacetatada, é claro. E em doses cavalares.
Bota mais coisas aí de mister Flaubert pra gente ler, faz o favor Duquesa Soll. Amplexos e ósculos fraternais e fraternicidas!

Anônimo disse...

Instigante. Vou ler.
Obrigadíssima pela super dica.
Beijos!