31 dezembro, 2006

O calendário existencial

Por Solange Pereira Pinto


Confesso que hoje queria jorrar palavras bonitas sobre o papel.
Mas, os pensamentos estremecem as mãos lançando os vocábulos tortos.
Por vezes meus olhos me traíram mirando os arredores.
As retinas captavam o furta-cor das faces vizinhas, enquanto suas peles pálidas escondiam seus sentimentos purpúreos.
Tremeluziam, em mim, crenças coloridas.
Ainda era jovem.
Não habitavam as sensações fugidias que agora escorregam na curva do arco-íris, em um sumidouro de sol refratado.
Era menina-mulher.
Havia o pote, um tesouro, escondido de fé além da chuva, do cinza, da atmosfera falseada.
Necessitava da visão sombria, que revela os bolores humanos, para não mais permitir os açoites transvestidos de cordialidades amareladas.
Já mulher.
Enganei-me com tons de uma natureza que se transforma sem alterar a essência.
Os semitons, os meio-sorrisos.
Esbarrei-me na dificuldade de saquear os abrigos e praticar friamente rejeições desmotivadas.
Dentes a mostra, olhar verdadeiro, sinceridade tatuada no rosto, traiam-me novamente.
Teria que reconstituir as máscaras destruídas e picotadas pelo idealismo de se ser o que se é.
Teria mesmo?
Amadurecida.
Nas festas do final de ano, entre as luzes empoeiradas da antiga árvore de natal, lá vinha Papai Noel distribuindo suas caixas enfeitadas de mentiras e hipocrisias.
A ceia embusteira da meia-noite. A troca forjada de abraços ao redor de uma mesa de confraternização servida de mágoas, mexericos, orgulhos, vilezas e mesquinharias.
Era a comemoração maior do ser humano requintada de imperfeições intrínsecas aos mortais.
As badaladas do relógio, uma semana depois, avisaram a chegada do ano novo.
Entrava em cena mais uma convenção. O calendário do tempo, dos rituais, das obrigações, da falência familiar, do rebanho, da convivência artificial entre raposas, galinhas, patos e cavalos.
A folhinha animalesca, desgastada, do tempo existencial.
Pisei pela última vez sobre os cacos, sobre os restos de pó das mascarilhas, lavei o rosto novamente e não olhei para trás.
Aquele mundo não me pertencia.
O cuco que berrasse. Já estaria longe, junto às aves de mesma plumagem.
Sobrevoando como águia além do tempo, dos quadrúpedes, da estupidez.
Recolhida à escolha e não mais à obrigação.

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Feliz 2007 àqueles que sabem escolher...

Um comentário:

Naeno disse...

O dia primeiro de janeiro, não necessariamente significa o início de um ano. Quem contou o tempo para assim afirmarmos. Vejam nossas roupas de ontem, ainda podemos estar vestidos com elas hoje. Vejam os amores, eles por certo, se existiam continuam, os mesmos nas suas intensidades de ontem. Alguém que te ligou ontem, ao te ligar hoje pode ver no visor do celular que a última ligação que fez foi pra ti. E ela s emenda com a última, de hoje. A comida que sobrou ontem, você come hoje, e ela não traz gosto de outro ano. Os teus cabelos, teus cílios, teus pelos de um forma geral, continuam o seu crescimento normal. A tua boca guarda palavras que iniciastes ontem, quando era um outro ano, as coisas boas vão te acontecer, e acontecerão, serão uma sequência natural dos teus desejos, que se ainda não ocorreram foi por por outros motivos, não que estavam programadas para outro tempo. Nos contamos um calendário inventado pelo homem, que não é perfeito, principalmente nisso, a contar o tempo, logo o tempo, uma coisa que nem existe, e se existe não é na forma de existir, mas de ser tomado como referênia. O tempo que você destina a fazer uma determinada coisa, como ir a algum lugar. Dependendo da forma que você utiliza em se movimentar, o tempo muda, se você corre, o tempo utilizado é um, menor do que se você for caminhando em passos normais, e se for em passos mais lentos outro tempo será contado. E prá Deus, o criador de tudo e de todas as coisas, para Ele o tempo inexiste definitivamente. Ele, num relance, te ver projeto, te ver nascendo, te ver criança, te ver adulta, de ver velho, te ver morto, te ver na vida eterna. Apenas num correr de olhos.

Bobagens.

Tenham uma vida feliz, isso é o que faz a diferença.

Naeno