01 dezembro, 2006

Eclipse de fim de ano


Eclipse
por Solange Pereira Pinto
Num dezembro passado



Numa madrugada qualquer, um sorriso aberto, um olhar castanho.
Fala mansa. Beleza. Inteligência. Fino humor. E, atitude. Muita.
Conheci um sedutor. De alma. De gente. De amor.

Abri a gaveta das sensações.

Feito espelho da memória, reconheci. Minha face antiga.
Cai nos braços do meu esquecimento. Da sua vivacidade.

Abri a gaveta da entrega.

Cheiro de ilusão perdida. Pele firme. Corpo jovem. Mão habilidosa. Boca sedenta. Um desespero de amar guardado em labirintos de infância; quem sabe triste, de adolescência conturbada, de amadurecimento endurecido pela vida. Conheci um homem. De paixão. De arrebatamento. De inundação. Numa tarde decente, um sorriso singelo, um olhar tranqüilo. Um amor proprietário.


Abri a gaveta de limites a romper.

Deitados em travesseiros desfronhados de sonhos, sobre lençóis amarrotados de tempo, saídos de edredons de segredos. Juntos fomos. Mesclando sabores diversos. Sorvetes. Pistaches e chicletes. Maracujá e chocolate. Misturando samba, suor e cerveja nos clichês de orgasmos e coca-colas. Cantando ao vento alegria, descompromisso, prazer. Beijos de fumaça inebriada. Deleite das melodias dionisíacas. Alternando gargalhadas, supermercado, pernas entrelaçadas. De um coração inquilino.

Eclipse de meninice e maluquice.

Conheci a delicadeza. Do carinho. Do acolhimento. Do feitiço do bem-querer. Numa manhã amarela, um sorriso meigo, um olhar apaixonado. De um despejo intuído.

Abri a gaveta do contentamento quase incrédulo.

Os dias andavam por si mesmos. Na borra do café surgiam insígnias. Na linha do subliminar, insídias. Na caixa de mensagens o veto. Caiu o véu do pavor. A alma saltou do corpo. O coração embolou as batidas. O peito se contraiu. A garganta engasgou. Desconheci. Um outro ser surge. A dúvida. O medo. A decepção. Espalhada em cacos. Meias-verdades. Mentiras inteiras. Verdades plenas. Um cabaret de ciúmes, traições, sexo, correndo em um videoclipe do pensamento.

Eclipse de fantasia e loucura.


Conheci um homem-menino. De olhar confuso. De coração perdido. De aparição nublada. Numa noite chuvosa, um sorriso gelado, um olhar vago.

Perdi a chave de todas as gavetas.

Ressaqueada a alma perambulando erma. A alquimia dos golpes vividos no tribunal das incertezas. A réstia de lucidez. A compulsão de amar para ser amado. Um eclipse de dor e saudade. Num ponteiro árido, um sorriso duro, um olhar futuro.

Estava aberta a gaveta da razão.

Reconheci-me novamente. Minha angústia. Minha perdição. Minha busca ensandecida. Separados. Embalados em pesadelos particulares. Num amanhecer ensurdecedor. De olhos acordados. De sorrisos estremecidos.

Estava escancarada a última gaveta
da minha incapacidade de amar de qualquer jeito.

Eclipse de medo e consciência.
No meio de um dezembro passei.

Um comentário:

Anônimo disse...

Hummm... Você foi fundo, heim? Amei.