05 novembro, 2006

Contomentário...

Antes de perguntar (Por Solange Pereira Pinto)



O motoboy de uma pizzaria talvez não tivesse descanso após o dia de finados. O fim-de-semana se aproximava. Era sexta-feira. O jovem de 19 anos morava no Rio de Janeiro. Das belas praias. Do Samba. Da MPB e Bossa Nova. Dos morros recortando a paisagem. Vivia com os pais na Favela do Jacarezinho. Lugar violento, apontava o noticiário. João e Célia se orgulhavam do filho. Bruno Macedo. Trabalhador. Dedicado. Estudante. Logo após o almoço algo não ia bem em casa. Seu João passava mal. 77 anos. O rapaz sai a toda. Desesperado convence um colega. “Precisamos procurar ajuda”, talvez tenha dito. Subiram na moto e foram ao cruzamento. Rua Viúva Cláudio com José Maria Belo. Um derrame prenunciava o pai. A idéia urgente: chamar um táxi. Teria que ser rápido. A angústia não poderia levar muito tempo. “Socorro, precisamos de ajuda”. Era o pensamento. Coração aos pulos. Finalmente, chegaram até o taxista. Pálidos. Aflitos. O pai perecendo. A mãe rezando. Nesse mesmo instante, bem perto dali, um fuzil dispara. Uma vez. Duas vezes. Três... Bem que podiam ser as batidas agoniadas no peito. Mas, não. Não só. Eram os policiais patrulhando a área. Júlio César, PM, cumpria seu ofício. Seu João piorava. Dona Célia inquieta. Do alto do Jacarezinho não se sabia ainda qual tragédia tomaria o dia. Rio de janeiro, ano 2006. Novembro. Dia 3. Dois policiais avistam um motorista de táxi sendo abordado por dois rapazes. Não tinham dúvida. Pardos. Negros. Apressados. Favelados. Só podia ser assalto. Um tiro certeiro. Uma face rasgada. A outra perplexa. Dois mortos, a caminho do Hospital Salgado Filho. Dona Célia em estado de choque. Início de infarto. Tudo quase instantâneo. Como um flash. Antes mesmo de perguntar.

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O texto acima poderia ser um conto.
Uma ficção.
Mas é uma narrativa baseada nas últimas notícias que li.

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PM mata jovem por engano no Rio de Janeiro - Um jovem de 19 anos foi morto nesta sexta-feira por um policial militar no Rio de Janeiro. Bruno Ribeiro de Macedo corria em busca de socorro para o seu pai, que passava mal. Foi neste momento que ele foi confundindo como um assaltante. Bruno era entregador do pizza e morava na Favela do Jacarezinho, um dos locais mais violentos do Rio de Janeiro. Segundo moradores da favela, o rapaz saiu de moto da favela à procura por um táxi. Um amigo o acompanhava na busca por socorro. Quando avistaram um taxista, os dois se aproximaram do carro para pedir ajuda. Neste momento, dois policiais que faziam patrulha na região pensaram se tratar de um assalto. Júlio César de Oliveira Lima, um dos PMs, disparou algumas vezes contra a moto. Um dos tiros acertou o rosto de Bruno. Em seu depoimento ao delegado, Júlio César admitiu ter efetuado os disparos. Segundo o PM, quando os dois jovens se aproximaram do táxi, ele disparou duas vezes para o alto e depois atirou em direção à moto para impedir a fuga. João Rodrigues de Macedo, de 77 anos, o pai de Bruno, acabou morrendo no hospital sem saber o que aconteceu com o filho. Quando soube da morte do marido e do filho, Célia Ribeiro de Macedo teve princípio de infarto. Foi levada ao hospital, medicada e já passa bem. O delegado que cuida do caso disse que não prendeu o PM porque ele se apresentou espontaneamente para prestar esclarecimentos.

Leia mais sobre o caso aqui, aqui, aqui e aqui.

4 comentários:

Marco Aurélio disse...

Essa do morador da Favela do Jacarezinho ser baleado por engano quando tentava socorrer o pai de um derrame, mostra o grande desafio do governo Lula na área de segurança pública. Por falar em desafio, deixo um mais ameno.

Um abraço

Marco Aurélio

Anônimo disse...

Concordo com o Marco Aurélio. E essa de usar notícias para criar contos é válido, grandes autores faziam isto. Poetas também, Mario Quintana, Bandeira. Legal isto.

\o/ disse...

é Marco a coisa tá feia e a imprensa ajuda a "empretecer" a causa! bjs

\o/ disse...

é Roger, um desafio! rs