10 outubro, 2006

Eleições, debate e segundo turno...

Deitado eternamente em berço esplêndido

por Solange Pereira Pinto



Começou o segundo turno. Começou o teatro. A tragicomédia. Domingo teve debate na Band. Não de idéias ou de projetos fundamentados. Foi uma “altercação” de farpas. Confesso que gargalhei algumas vezes. Os candidatos ao trono do rei usaram das artimanhas da velha Grécia. Sofismaram, mas sem a graça dos filósofos. Foi um espetáculo rasteiro. Parecia uma feira de discursos enlatados. Sardinhas. Eu, sentada na ágora-virtual-televisiva, assistia para ver quem vendia melhor o bacalhau de terceira. Lembrei-me do Chacrinha, comunicador sem igual. Terezinha uuuuuuuuuuhhhhhhhhhh! Senti-me uma Terezinha. Ataca de lá, defende de cá. Quem quer o abacaxiiiiii? Ambos.
Alckmin e Lula digladiando para ver quem leva o pepino-Brasil para casa. De um lado, o gladiador ex-comedido-vociferando e a saliva lhe faltava. Dava para notar a boca seca de Alckmin. Do outro lado da arena, o gladiador-à-reeleição ironizando atrás das barbas. Lula sorria se safando e colocando a mãe no meio. O tucano era dublê-de-fiscal-de-contas. O petista retrucava como marido-traído-último-a-saber. Parecia conversa de casamento falido. As gravatas amarela e vermelha na bravata. Fanfarrice total. Eu sou melhor! Mentiroso! Leviano! Palavras mais que ouvidas durante a peleja. Nada elevava para além disso. Mixórdia em rede nacional.


Tem gente dizendo que isso é democracia. Aventando que o Brasil ficará melhor depois desse (e de outros) domingo. Será? Nada se ouviu de concreto, até porque não se tem nada possível nesse sentido. As mesmas ladainhas de “investir no desenvolvimento do país, acabar com a miséria, aumentar o número de empregos, melhorar a saúde pública, a segurança e a educação”. Ai, que canseira! Tudo isso está caducando na Constituição faz tempo. Se Alckmin representa a elite e Lula o povão deveriam se tornar aliados. Mas, ninguém agrada gregos e brasileiros numa só vez.


O discurso azul é sim para pequena parte do país, que entende o linguajar, a tradição e os bons-costumes do candidato opositor. O discurso vermelho fala diretamente para a grande maioria da população brasileira, de forma simples, populista e carismática. Por analogia um é “catedral” e o outro é “universal”.


Duvido, contudo, que esses discursos façam qualquer diferença para este Brasil alquebrado e bocejante. O eleitor vota em quem quer. É um fato. Porém, em quem quer significa “por afinidade”. Ou até mesmo por “antipatia”. O brasileiro não vota em propostas, até porque elas nem existem de fato além do papel e das caras cartilhas produzidas marketeiramente.


Falar em aumento de emprego é gozação. Primeiro se ampliam os mercados, não é mesmo? Falar em educação é palhaçada. Está tão caótica a estrutura educacional que nem aumentando a quantidade de escolas e professores se obterá qualidade. Esquecem que quantidade e qualidade são coisas muito diferentes. E, político gosta de números. Faz-se uma “conversaria” de milhões, bilhões, para quem não sabe o que é mil.


Quero ver medidas para o Congresso trabalhar. Quero ver cada órgão estatal fazendo seu papel educador. Poucos sabem a função de cada ministério, agência, repartição pública. Isso é educar. Dizer a que veio e para que serve, e, definitivamente, servir, contribui para a cidadania. Falar de aumento do PIB, de percentuais, de expansões milagrosas, não descascará o abacaxi. Azedo!


Ninguém ainda disse COMO serão realizadas as promessas. Não se falou dos rituais. Não se disse se são com dez copos de sal grosso e meia dúzia de galinhas pretas que exterminarão as "epidemias endêmicas" verde-amarelas.


Os jornalistas do debate, desculpem, também foram fracos. Tinham a chance de elevar a contenda. Entretanto, fizeram perguntas erradas, previsíveis. Entrevista de emprego em boteco questiona melhor.


Essa previsibilidade brasileira é que dá sono. Talvez, por isso, o hino nacional seja profético: “deitado eternamente em berço esplêndido”. As urnas dirão quem bocejou mais. As chacretes agradecem. O show não pode parar, os leões estão famintos.

3 comentários:

Jorge P. Guedes disse...

Olá, Solange!
Que belo artigo, arrasador!
Você falou do Brasil como eu poderia falar do pequeno Portugal.Não tanto em tamanho, que isso pouco interessa se a alma dos homens é grande, mas na falta de qualidade e de independência dos políticos.
Mas, político de hoje, parece ter sido feito em fábrica, têm todos o mesmo molde, apenas variam no superficial e no papel em que se embrulham.
E o povo cada vez mais ignorante, pensando que está mais instruído.
Como você diz, não se vota por convicção ou por concordância com um projecto mas sim, por oposição, por antipatia, porque a imagem fabricada pelos media é mais atraente, o papel do "embrulho" mais sugestivo...a mensagem mais universal porque menos intelectual, melhor digerível pelas massas.
Isso é democracia? Não.
O que tem de democrático é podermos escrever estas palavras sem medo de nos baterem à porta de noite, pela calada, e nos baterem numa prisão.
Até quando?
Acredito, aqui à distância, que Lula vai ganhar. Pouco sei sobre o outro candidato.
O que me chega é que o Brasil algo recuperou com o Lula. À custa de que acordos ou concessões? Não sei.
Que as suas gaffes o trazem para o anedotário internacional, à semelhança do Bush mais novo e já rivalizando com este, até noa atracção pela pinga, também é imagem que nos chega diariamente.
Quem nos salva então?

Nesta "Sociedade do Espectáculo" de que nos falava há mais de 30 anos Guy Debord, só há que vender bem o produto para que ele seja consumido.
Sic transit gloria mundi

Um abraço de Portugal
Jorge

Jorge P. Guedes disse...

Ah, desculpe mas sou eu de novo.

Só para dizer que já linkei seu espaço "Ideias e ideais" no meu "O Sino da Aldeia - porque avisar é preciso".
Para mim você constitui uma referência brasileira.

Um beijo de Portugal, colega.
Jorge

Anônimo disse...

Eu não gostei do debate. Bela crônica, concordo plenamente.