24 junho, 2006

A loucura da CRIATIVIDADE

Nos dias de hoje, a criatividade mais parece uma doença mental do que uma capacidade normal do espírito livre. Queira ou não queira, na realidade somos seres condicionados às circunstâncias sócio-geográficas e lingüísticas. Nosso comportamento e nossas escolhas, na maioria das vezes, não provêm de nós. São provocados em nós. Até a emoção, considerada manifestação espontânea, muitas vezes está sujeita a regras sociais que controlam sua expressão. Nesse sentido é que o filósofo Schopenhauer dizia que “o Homem pode fazer o que quer, mas não querer o que quer”, enquanto Einstein afirmava ter certeza de que “os seres humanos não são livres em seus pensamentos, sentimentos ou ações; estão presos aos seus limites, como as estrelas aos seus movimentos”.

Primeiro, o capitalismo selvagem assassinou o conhecimento e a beleza, esmagando professores e artistas. Agora, a globalização matou o indivíduo, impondo uma tendência de “se igualar com a maioria”. Essa maioria globalizada não tem um jeito humano de ser, mas sim um jeito americano de existir: competitivo, consumista, superficial. Hipnotizados, esses robôs se autoconsideram bem-sucedidos. O programa norte-americano se alimenta de suas almas, comanda suas falas e seus atos.

Sem dúvida, somos condicionados pelo meio natural e, cada vez mais, pelo meio cultural americano. O condicionamento geográfico é natural e inevitável. Porém, o condicionamento cultural é ideológico e pode ser filtrado pelo discernimento e livre arbítrio, base rebelde de toda criatividade.

Seres inteligentes e criativos encaram o não-convencional como desafio e originalidade, e não como obstáculo para socialização. Para a psicanalista Anna Freud, filha do gênio, “mentes criativas são conhecidas por resistir a todos os tipos de mau treinamento” cultural.

Infelizmente, ontem e hoje, a educação escolar mais encarcerou talentos do que libertou, mais deformou seres criativos do que formou. Ainda hoje, no mundo da “educação”, o “melhor” aluno não é o questionador ou o criativo, mas o obediente ou mais servil, que facilmente se transforma em escravo. A sociedade, ao mesmo tempo em que valoriza a criatividade, privilegia os conformistas, estimula a memorização, a resposta única e o excesso de regras. Quem não abaixa a cabeça está fora do bom-senso estabelecido, está fora da norma. Este é o aluno anormal, o aluno-problema.

Na escola e na sociedade parece só haver espaço para “normopatas”, que têm sua identidade e interioridade engolidas pela função social. Segundo o poeta Décio Pignatari, “todos nós criamos, mas a des(educação) que recebemos nos orienta no sentido da descriação, no sentido de permanecermos apenas ao nível da competência”. Talvez por isso, muitos gênios são péssimos alunos, se não eles morrem de loucura ou depressão.

Gênios são péssimos alunos
Richard Wagner – um dos três maiores músicos do séc.19 – foi desde a infância um aluno negligente, que se irritava com os acadêmicos. Tornou-se músico como autodidata, estudando detalhadamente as obras de Beethoven.

Stanley Kubrick – diretor de “Laranja mecânica” e “2001”, obras-primas do Cinema – era famoso na adolescência pelo seu total desinteresse pela escola. Kubrick ganhou muito dinheiro jogando xadrez e pôquer.

Humberto Mauro – autor de clássicos do Cinema brasileiro – declarou certa vez: “Nunca abri um livro de Cinema para estudar. Curso de brasileiro é olhar: olhou, viu, fez”. Humberto também fez teatro amador, estudou Mecânica por conta própria e foi pioneiro do radioamadorismo.

Drummond de Andrade – um dos três maiores poetas brasileiros – foi expulso de um colégio de Nova Friburgo (RJ), aos 17 anos, depois de um desentendimento com o professor de Português.

José de Alencar, arredio à vida estudantil escolar, aos 21 anos viveu uma fase de recolhimento e estudo na qual cuidou de expandir sua cultura literária, lendo os clássicos da Literatura universal, os filósofos, os historiadores, além dos cronistas do Brasil colonial. Familiarizou-se com Balzac, Chateaubriand, Victor Hugo, Dumas e Byron, desenvolvendo em seu espírito a idéia de uma identidade nacional, que expressou em sua literatura.

Émile Zola – principal escritor da literatura naturalista – muitas vezes tirou zero em Literatura Francesa e foi reprovado em Alemão e Retórica, quando estudava no Liceu St.Louis.

Confúcio – o sábio chinês – não adquiriu seus conhecimentos em escolas; todavia, tornou-se o homem mais culto da China, no século 6 a.C. Seus ensinamentos exerceram enorme influência sobre toda a cultura da China e da Ásia oriental, por mais de dois mil anos.

Aprendizagem – questão de digestão

Segundo o filósofo brasileiro Rubem Alves, a inteligência funciona como o aparelho digestivo. Ela testa sabores e saberes, e somente aqueles que são dignos de serem apre(e)ndidos são comidos e digeridos. A recusa à aprendizagem, evidente hoje em dia, é o vômito daquilo que a escola quer enfiar goela abaixo, mas que não faz sentido para os alunos.

O corpo humano é sábio, e, segundo seus critérios de controle de qualidade, só aprende dois tipos de conteúdos: primeiro, aqueles que dão prazer, o fruto desejável; segundo, o instrumento para chegar ao objeto de prazer, a vara para apanhar o fruto.

Os conteúdos curriculares processados pelo meio “educativo” não são objetos de prazer nem são percebidos pelos alunos como instrumentos para chegar a coisa alguma. Os alunos desconhecem a razão de ter de aprender o que estão sendo forçados a aprender.

O sistema digestivo está funcionando como deve. A comida é que está podre, imprópria para a inteligência.
A questão não é mudar os órgãos digestivos, tampouco as “panelas tecnológicas”. A solução é mudar o cozinheiro e o cardápio. Órgãos são sempre feitos de sangue, e panelas novas são inúteis para um mau cozinheiro!

O ensino e a tecnologia de hoje já mostraram seus frutos. Fez a sociedade se tornar mais comunicativa e, ao mesmo tempo, mais solitária, violenta e doente. Pesquisas indicam que o Brasil está em 89º lugar em qualidade educacional. Contudo, é bom saber que a mudança só depende de nós. Nós alunos. Nós professores. Nós políticos. Nós pais. Nós seres humanos.

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Texto do Prof.

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